FACA ROUBADA

No país do Liberalismo Monopolista de Estado e do Presidencialismo Parlamentar nós temos o privilégio de criar doutrinas em vários campos do saber. Na economia foram várias, talvez a principal tenha sido a do bolo crescente. As mais recentes são na área da educação e na área jurídica.
Na educação se criou no atual ministério a doutrina do faça você mesmo educacional em que se define que diante da inépcia em resolver os problemas se transfere para o estudante, distorcendo o conceito de protagonismo estudantil, a responsabilidade integral sobre sua formação.
Esta doutrina está instrumentalizada em algumas pedagogias, sendo as mais importantes a pedagogia do it your self para o ensino superior associada à pedagogia do self service (ou ce se service, como diz um grande amigo) no ensino médio.
No ensino superior o MEC redefine até mesmo o significado de palavras como “presencial” para justificar que o ensino majoritariamente à distância, hiper individualista e fora da escola é “semi presencial”, num quase escárnio com a língua portuguesa.
No ensino médio, necessário para que se consolide o do it your self no ensino superior, temos a pérola dos itinerários formativos, onde o estudante sequer vê o programa completo e adquire com 14, 15 anos de idade o dever de definir por quais conteúdos e disciplinas vai cursar, se lhe apetecem.
Considerando que isto pudesse ser uma boa ideia, como boa ideia poderia ser a progressão continuada, o que se tem mais uma vez é a colocação de uma Ferrari como meio de transporte para quem mal consegue pilotar um Uno Mille. E, pior, coloca a pessoa na Ferrari com vários bebês e crianças à bordo.
Não é de se estranhar que assim como a progressão continuada virou aprovação automática os itinerários formativos se transformem em semiformação, onde aos estudantes do ensino médio é sonegado o direito e, mais perverso, o prazer da descoberta do conhecimento. E, em decorrência, a possibilidade de ampliar seus horizontes e desenvolver suas habilidades, competências e posturas.
Mas, que fique claro, a semiformação no ensino médio é condição necessária e essencial para a semipresencialidade no ensino superior.
Fico imaginando neste quadro qual a possibilidade neste “Brasilzão de meu Deus” que jovens de todo o país, do Brasil profundo, escolham um itinerário formativo que os aproximem da carga de cultura e conhecimento necessária para escolher uma carreira como a AU, ou psicologia, biomedicina, física, ou qualquer coisa fora do universo professor(a), médico, advogado ou engenheiro para os que ousarem ir ao ensino superior.
Além da educação, somos doutrinários também na área jurídica.
Autores da já clássica legítima defesa da honra, criamos e temos hoje defendida por uma enorme parcela da sociedade e da imprensa aquela que poderíamos chamar de Doutrina do Menor Crime.
Segundo esta doutrina, se um sujeito matar uma pessoa, ou mais, com requintes de crueldade e perversão, utilizando uma faca roubada, deverá ser condenado pelo roubo da faca.
Ou seja, é a elevação à enésima potência da distorção usual do conceito, que virou doutrina, de Homem Cordial, que gentilmente se preocupa menos com os mortos e feridos pelo crime e mais, muito mais, com a faca roubada.

Valter Caldana

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ROLO

Sem entrar em especificidades, pois nem as conheço tão bem, como cidadão fiquei bem impressionado com os vetos do presidente à Lei da Devastação Consentida. Em especial tudo o que se refere ao auto licenciamento.
Digo os motivos.
Quando a gente conta a idade por décadas, a vida faz questão de nos confrontar cada vez mais intensamente. Acho que ela se aproveita de duas coisas: a primeira, o fato de que vamos perdendo força vital, o tal do vigor.
Mas, se aproveita, também, do fato de que vamos perdendo além do vigor, o rigor… Principalmente o rigor exagerado, aquele que só quem tem as certezas dos jovens pode ter. E bancar. Fica o rigor apurado, difícil, complexo, questionador e contraditório.
No caso dos auto licenciamentos, por exemplo.
Sempre fui completamente favorável a tudo o que seja auto declaratório. Um defensor de primeiríssima hora. A primeira vez que defendi publicamente a ideia de que a aprovação de projetos na cidade de São Paulo deveria ser essencialmente auto declaratória era ainda governo Erundina, 1990. Eu recém formado e com muito vigor, rigor, certezas, tempo e paciência. Ops. Paciência nunca tive muita…
Mas, enfim. Até hoje a aprovação auto declaratória não está implantada na cidade. Há tentativas tímidas, mais formais do que reais, etc… E ainda bem! Basta ver as distorções praticadas na produção, interpretação e aplicação da legislação urbanística da cidade.
Fiquei pensando nestes dias conturbados o que provocou esta minha mudança de posição? Foi simples encontrar a resposta. Em síntese foram os abusos de quem declara somados à incapacidade material e ou moral de quem fiscaliza.
A grande fragilidade das ações auto declaratórias por aqui é ética. E este problema, a falta de ética, não se resolve com leis, normas, repressão. Se resolve com educação.
Educação que, por sua vez, me parece ser silenciosa e discretamente a área de pior desempenho do atual governo federal. E, pelo que se nota, de muitos governos estaduais também.
Ou seja, no Brasil, onde se confunde progressão continuada com aprovação automática, percurso formativo com economia de professor e ensino à distância com semipresencial, continuamos tentando associar Estado mínimo com subsídio máximo e Educação mínima com Ética máxima.
Depois de seis décadas, me parece que não rola… dá rolo.

Valter Caldana

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TELMEX

Estava pensando… acho que nunca, desde meados do século XIX, quando a independência se consolidou e o território ficou definido, um grupo político como a atual direita brasileira atentou contra a soberania nacional. Eu desconheço…
Tivemos grupos mais entreguistas, como a UDN, que se mantém ativos até hoje e são hegemônicos na cena política atual, organizados em torno do privatismo.
Mas, mesmo durante a ultima ditadura os militares de então eram nacionalistas. Brasil Grande, 200 milhas, acordo nuclear, Itaipu, Transamazônica…. Não estou entrando no mérito qualitativo, não é este o ponto. O ponto é: hoje a extrema direita, parlamentares e governadores, e parcela da sociedade que representam, desejam não negociação. Desejam capitulação.
E isto, me parece, é novo. Nunca houve, que eu me lembre, a explicitação de um desejo de intervenção externa no Brasil e/ou de solicitação/aceitação de ingerência e chantagem contra o país e seus poderes constituídos.
Estamos num momento único. E transmitido ao vivo. Via Embratel, digo, Telmex.

Valter Caldana

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MANGA

Diante da guerra comercial moderação é também saber fazer contenção de danos decorrentes do ataque e minimização de perdas. Sabendo que haverá perdas.
Defender a soberania vai exigir esforço, desprendimento e fibra.
Mas, pela leitura da notícia, infelizmente sinto cheiro de subsídio no ar (nós pagando a conta sozinhos, claro).
Ontem vi um compungido produtor dizendo que não tinha onde colocar as mangas que produziram. Na hora pensei na merenda escolar e numa infinidade de receitas com a manga, sua casca e seu caroço (e nem assisto o programa da filha do Gil).
Pensei que as empresas aéreas, aquelas que passaram a cobrar o despacho de malas para baratear as passagens, podem fazer o transporte, assim como as grandes linhas de ônibus… as empresas de embalagens também podem participar do esforço e talvez não se percam tantas mangas assim.
Mas, para não perder a piada já que certamente algum amigo mangueiro já perdi, claro que esse assunto vai dar sempre muito pano para manga.

Valter Caldana

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/07/seis-setores-da-industria-dizem-nao-ter-como-redirecionar-bens-comprados-pelos-eua.shtml?fbclid=IwY2xjawLl385leHRuA2FlbQIxMQABHg0ickgweA3LvCqn4tctC0xbXkjd89Gjls-XhN93oCp9MhBJLW6YRbdpvR_I_aem_TUfn6XgydRoXIJto2vNJ1g

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BRASIL

O presidente norte americano, com a sutileza que lhe é peculiar, está, com uma singela carta e alguns decretos, prestando alguns favores à sociedade brasileira.
O primeiro é deixar claro que nossa extrema direita é entreguista e não tem real amor pelo Brasil, apenas por seu projeto político-ideológico e privilégios de seu grupo.
Outro favor é identificar a extrema direita com clareza. Quem não saltou imediatamente, sem pestanejar, em defesa dos interesses pátrios faz parte deste projeto e desta posição política. Foi possível, finalmente, separar os governadores e parlamentares fiéis ao Brasil e os que não são.
Por fim, outro favor importante, foi criar a possibilidade de uma grande união nacional, ainda que temporária (já basta) em defesa de nossas instituições, em especial o judiciário e, sobretudo, em torno de nossas riquezas no campo e na cidade.
Independente do que aconteça nos próximos meses, dada a profundidade e a gravidade da ameaça real sofrida pelo Brasil, o comportamento de nossas lideranças na última semana deve ficar registrado e deve pautar o diálogo e as negociações políticas nacionais daqui para frente.
É na hora da real ameaça externa que se conhece o valor de cada um.
No 14 de julho, sugiro fortemente que se releia um pouco sobre a República de Vichy, a linha Maginot e o que significa ser patriota.
Brasil!!

Valter Caldana

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