Confesso que tenho muita dificuldade, sempre digo isso, para abordar esta questão do ponto de vista da saúde e dos métodos de tratamento. Como qualquer cidadão fico em dúvida sobre os resultados dos programas seja de Braços Abertos, seja o Recomeço, seja o Redenção. Eu, por exemplo, fico intrigado quando ouço que o número de pessoas afetadas por este ciclo nefasto é entre 800 e 1000. Parece tão pouco numa cidade de 12 milhões… Mas não é. Creio que o debate entre os especialistas da área é intenso e todos, sobretudo quando distantes de questões partidárias, devem estar fazendo o seu melhor.
No entanto, esta questão passa também por outras dimensões, como por exemplo políticas públicas e desenvolvimento urbano. Aí nós temos o que contribuir com mais efetividade.
É nesta dimensão que, acredito, o problema da cracolândia ganha uma proporção ainda maior, por ser simbólica. Sua existência é simbólica e a inépcia e incapacidade do poder público de tratar com suas causas e com as consequências de sua existência mais simbólica ainda. Quando, ciclicamente, se resolve fazer a operação “espalha brasa” então, o simbolismo é tanto que chega a enjoar…
E por que? Por que não se está realmente tentando uma solução, seja ao nível do indivíduo (um que se “salvasse” já seria importante), do coletivo de vítimas – foram mais uma vez simplesmente espalhados pelas redondezas – ou de segurança pois, aparentemente, o tráfico continua (segundo os jornais sequer se interrompeu).
Então o que temos? De um lado a sociedade desamparada como sempre. Sejam os “nóias” sejamos “nóis” o que parece é que sempre as coisas estão largadas à própria sorte. Por outro lado, um jogo intenso de interesses econômicos que não pode ser ignorado e que, infelizmente, não é capitalizado para uma solução pluralista e diversificada do problema.
São soluções imobiliárias que repetem modelos excludentes que conhecemos há oitenta anos e sabemos que efeitos geram… mais cidade vazia, mais cracolândias… Onde está ou quem apresenta um plano multidisciplinar de recuperação das pessoas e da área que resulte num projeto de intervenção urbana elaborado com metodologias verdadeiramente participativas (ninguém está falando aqui de “assembleísmos” ocos, você sabe bem disto) com a participação plural desde o grande até o pequeno capital? Nada…
E, neste caso específico, me incomoda ainda mais a reiteração do erro – há poucos anos foi feita uma outra operação “espalha brasa” como esta e nada adiantou, e experiências como a PPP do casa paulista ali ao lado, que pode ser um caminho interessante, ao menos a ser bem observado sobretudo se a ele for adicionado a locação social – ficam em segundo plano.
Por fim, aí entra talvez um fator atávico para mim intransponível, não consigo crer que será com violência nem com força policial que se conseguirá qualquer resultado ali que não seja o de esvaziar a área. Mesmo internações compulsórias para tratamento químico não creio que se faça nem com polícia nem com pressa.
Valter Caldana