Arquitetura para todos, construindo cidadania…

É excelente este artigo de Marcos Lisboa. (leia aqui)

Assim como acho excelente que um número cada vez maior de pessoas que não sejam arquitetos e urbanistas se interessem pela cidade e não apenas, mas também pelos seus processos de construção, desenvolvimento e uso.

Em 2010/2011, ano e meio antes das jornadas de março/junho de 2013, tive a honra de ser o Curador da IX Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, indicado pelo IAB e, na ocasião, propus como elemento estruturador do evento e tema central “Arquitetura para todos, construindo cidadania”.

Naquela ocasião foi prioridade, exatamente, sair do ambiente fechado da corporação, do diálogo de iguais para iguais e ganhar mundo, ir atrás dos verdadeiros interlocutores da Arquitetura e Urbanismo que são o cidadão e os agentes produtores da cidade.

Bem antes da virada de década e mesmo do século já observávamos e entendíamos ser inexorável, eu e tantos outros colegas, que a cidade e por consequência a Arquitetura e Urbanismo passariam a ser pauta da sociedade.

Pauta e protagonista de suas reivindicações. Para tanto, bastava observar e reconhecer o colapso do modelo de desenvolvimento urbano já instalado à época, coisa que arquitetos e urbanistas de várias idades e vários matizes já vinham alertando. Bastava observar e reconhecer os movimentos e tensões já estabelecidos nas zonas além rio, fora da cidade legal e consolidada.

Já escrevi várias vezes que São Paulo desperdiçou 40 anos no imobilismo, se lançando a um apagão urbanístico cujo preço se apresenta hoje quase impagável. Enquanto as cidades de seu porte e de sua importância, no mundo, estão se adaptando e alterando sua cultura urbana desde as crises do petróleo da década de 1970 nós aqui nada fizemos.

E, quando se tentou, a própria sociedade rechaçou, se mostrou refratária à mudanças, per si ou por seus representantes. Foi assim em 1985, 1988, 1992… Uma cidade que fez das anistias, neste período, seu mais importante instrumento regulatório do desenvolvimento urbano.

Ao contrário, aceleramos no sentido da cidade espraiada, dispersa, pneu-dependente, segregadora, injusta e cara. Cara para quem paga a conta, perversa para quem sofre com os resultados.

Hoje, São Paulo está se vendo obrigada, ainda que sem energia e sem coragem, a fazer em pouco mais de 10 anos o que as cidades do mundo fizeram em 45 anos, ou seja, três gerações. Ou alguém ainda acha que o distanciamento dos jovens com relação aos carros, que se verifica na Europa e nos EUA são fruto de uma modinha passageira de facebook?

Não bastasse o imobilismo, o apagão urbanístico de 1972 a 2014, temos também os acessos de sandice como visto, por exemplo, na incapacidade de seguir adiante com as qualidades estruturadoras previstas no PDE de 2002 e no papelão que foi seu processo de aprovação na Câmara, parcialmente redimido em 2014.

Sandice que continua até agora quando não se consegue discutir o zoneamento da cidade sem confundi-lo com a planta geral de valores do município. Quando se insite em fazer zoneamento por uso e aproveitamento e não por densidade e incomodidade. Quando se insiste em escrever a cidade ao invés de desenhá-la.

É uma sandice que se consolida quando não se consegue ver um palmo adiante do nariz e perceber o valor estratégico da propriedade pública da terra para que se possa fazer desenvolvimento urbano com qualidade (e lucro!).

E que avança aceleradamente ao se fazerem ações (de governo) estruturais, sem que haja projetos de médio e longo prazo a sustentá-las. Quando se cogita, apenas cogitar já é absurdo, abrir mão dos benefícios da Lei Cidade Limpa para fazer caixa…

Mas, o que tudo isto tem a ver com o artigo abaixo e com a nova safra de jornalistas e tantos outros profissionais formadores de opinião que se quedaram de amores pela cidade?

Tem a ver com o fato de que finalmente conseguimos uma primeira e grande vitória. Temos hoje figuras na mídia, impressa e www sobretudo, que têm feito um trabalho exemplar. Assim como, finalmente, alguns colegas têm conseguido ter colunas fixas e periódicas em jornais de grande circulação.

Está reconhecida a importância da Arquitetura e Urbanismo na sua vida! Ela que, como gosto de dizer, pode te fazer dormir uma hora a mais de manhã ou te colocar em casa (ou no boteco, ou na faculdade, ou na praça, ou na biblioteca, ou onde você bem entender) uma hora mais cedo à tarde.

Este é um passo fundamental para que possamos avançar. Afinal, não adianta defender processos participativos de projeto, o que fazemos há mais de vinte anos, desde o século passado, e mais do que isso, processor hoje interativos, se não houver um reconhecimento, de fato, por parte da sociedade, da importância de sua participação.

Me sinto hoje como um médico que passou décadas dizendo que não se devia fumar, que isto fazia mal e custava caríssimo aos bolsos da sociedade. Tanto falaram que um dia conseguiram que o combate ao tabagismo virasse política pública.

Ainda não conseguimos tanto mas artigos como este e de outros jornalistas e quetais são, como já disse, mais um grande passo.

Não obstante, mas… e sempre tem um mas, isto não basta.

É importante, agora, que a sociedade recém desperta para a questão da Arquitetura e Urbanismo passe a entender seu papel estratégico e como este conhecimento é utilizado, ou não, na gestão pública.

Gosto de dizer que a língua portuguesa nos pregou uma peça: enquanto todos (ou quase todos) entendem a diferença entre justiça, bem social, e advocacia e afins, sua operação e entre saúde, bem social, e medicina e afins, sua operação, no nosso caso tudo é arquitetura e urbanismo. As coisas se misturam.

Por isso, gostaria de acrescentar aqui, como fizemos na nonaBia trazendo 13 representações internacionais e projetos de arquitetos de 32 países além de praticamente projetos vindos de todos os estados brasileiros respondendo à provocação do tema: temos muitos, dezenas, centenas, talvez milhares de bons projetos de arquitetura e urbanismo à disposição da sociedade que é, em última análise, sua proprietária, com respostas às mazelas e aos fracassos das políticas urbanas públicas e privadas implementadas nas últimas décadas.

Só para o Parque D. Pedro conheço meia dúzia de bons projetos. Fora as centenas de projetos já orientados nas FAUs da cidade e do mundo.

Quando falamos que temos que priorizar a retirada dos terminais de ônibus da área central – incluindo este – e devolver estes espaços para a população, para o exercício da cidadania, é disto que estamos falando. O artigo esquece de mencionar, por exemplo, que parte do Parque será privatizada e o seu uso como passagem e terminal de ônibus será perpetuado…

Vale lembrar que nem sempre foi assim. Uma cidade que fez as marginais, que fez o metrô, que fez edifícios icônicos como o Martinelli, o Itália, o IMS ou o SESC 24 de maio e que colocou, bem ou mal, 20 milhões de pessoas sob o mesmo teto, não pode ser considerada um fracasso.

Fracasso, talvez, sejam as políticas públicas. E, mesmo estas, tenho certeza, daqui para a frente e com a participação de todos, em especial destes novos aliados, conseguiremos alterar. Conseguiremos pressionar e conseguiremos mostrar que temos um vasto estoque de conhecimentos tinindo para serem utilizados. Basta ter coragem empreendedora, união e vontade política.

Valter Caldana

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