Um hábito paulistano
ou de como jogar as joias da coroa com a água da bacia
O que um vidro quebrado tem a ver com a privatização do Anhembi?
Mais uma vez assistimos a manifestação da incapacidade que desenvolvemos de discutir o cerne do problema substituindo-o por questões periféricas, perfunctórias.
Prova disso é o debate havido em torno da substituição do muro de alvenaria cinza da USP na marginal por um muro de vidro que não durou duas semanas. Este debate, na realidade, não é sobre o muro. É sobre as marginais!
Uma das obras prioritárias para São Paulo, de máxima urgência, é a conversão das marginais de auto-estrada e via expressa em avenida urbana.
Além de resgatar os rios do ponto de vista ambiental, esta ação possibilitará a reestruturação paisagística da cidade com influência direta na qualidade de vida material e imaterial do cidadão.
Não bastasse isso, cônscio de que nossa sociedade de bem tem o hábito de ridicularizar argumentos como os que dei acima por considerá-los idealistas, fantasiosos ou, bem pior, acadêmicos, lembro que um bom motivo para transformar as marginais em avenidas é a transformação de suas margens, não as dos rios, as outras duas, em cidade!
Ou seja, é sua transformação em apartamentos, casas, lojas, restaurantes, escritórios, praças, escolas, hospitais, delegacias de polícia… dá até para fazer presídios também, como já fizeram (kkkk, como a gente sofre). Dá para fazer até estacionamentos, espaço público tão ao gosto de parcela significativa dos ‘formadores de opinião’…
Quer dizer… urbanizar as marginais, torná-las urbanas, significa disponibilizar milhões e milhões, centenas deles, de metros quadrados para o setor da construção civil e mercado imobiliário trabalharem.
Isso significa ofertar terra abundante, melhor caminho para baixar o preço médio da terra na cidade. E todos sabemos que o preço da terra elevado é o foco da infecção, o ponto de partida de todos os problemas estruturais que a metrópole vive.
Isto porque o elevado preço da terra induz o uso do solo, que o retroalimenta e por sua vez produz a cidade segregada, cara, injusta e…. congestionada (agora se sensibilizou, né?) em que vivemos!
Assim sendo, dada a prioridade de lapidação deste verdadeiro tesouro ainda bruto que a cidade possui e que é a sua redenção ao longo do século XXI, sua possibilidade de se manter enquanto metrópole mundial elevando sua qualidade de vida e suas condições de negócios é preciso entender que vender o terreno do Anhembi é um mal negócio no curto prazo e uma enorme insanidade no médio e no longo prazos.
De toda a orla das marginais o Anhembi é o ponto central. É o elemento articulador de toda a estruturação de fluxos metropolitanos. Vamos lá… elemento articulador da produção de riqueza, grana, verdinha, bufunfa, ‘money’, do bom… capisce?
Se considerada a área acompanhada do aeroporto (desativado) de um lado e do conjunto parque do gato, esportes radicais e clube Tietê do outro, trata-se da nova centralidade metropolitana. É o centro da cidade do século XXI. Que organizará toda a ocupação da orla e suas centenas de milhões de metros quadrados de cidade nova.
Por isso debater a privatização do Anhembi é tão importante quanto a pedra, ou o tiro, ou a cabeçada que deram no muro da USP… Não deixe de ir. É da cidade do século XXI que se trata. Não… é do futuro de sua família que se trata… Não! É do seu presente e da sua grana que se trata, cabeçudo!
Valter Caldana