Túnel ou espaço público?

Ou a dificuldade de ver
um problema por inteiro

A folha trouxe hoje matéria sobre o Cidade Matarazzo, especificamente sobre o espaço público que fará a ligação pedestrianizada entre a Paulista e o Bexiga. (leia aqui)

É interessante notar como a cidade, de modo cada vez mais ‘suicidamente’ conservador em termos da construção da sua qualidade de vida, encara a questão…

Não consegue discutir a criação de um novo espaço urbano qualificado, público. Não consegue discutir com os empreendedores quais são as garantias de que este espaço será realmente público e não apenas pretensamente, ou hipoteticamente.

Não consegue avançar na elaboração de mecanismos que garantam que os empreendedores não coloquem um segurança a cada 10m olhando feio para pobres e pretos, jovens em especial, em substituição ao muro que não construirão. Como, aliás, já fizeram alguns empreendimentos da cidade, seja na Barra Funda, seja em Moema.

A discussão não é sobre isso tudo… A discussão é sobre um túnel. É sobre trânsito, é sobre como se vai colocar o carro na sua própria garagem.

O próprio repórter da folha cai nesta esparrela. E a reproduz…

Acho importante colocar em debate estas observações…
Do que conheço do projeto, mantenho a posição que dei nesta matéria de setembro passado, do Estadão. (leia aqui)

E faço um alerta que na ocasião o repórter no estadão não conseguiu publicar.

Temos um problema de excesso de conservadorismo em São Paulo.
Um conservadorismo que está matando o que São Paulo tem de melhor. E está fazendo com que a cidade perca, mortalmente, a janela de oportunidade de se preparar para continuar sendo uma cidade importante no cenário mundial no século XXI. Um conservadorismo que está matando o que São Paulo tem, ou tinha, de melhor.

Não confundir conservadorismo com conservacionismo, ligado ao patrimônio histórico ou cultural, o que seria benéfico e prova de maturidade. Trata-se de um conservadorismo, sim, também ligado ao patrimônio, mas ao patrimônio $$ e à zona de conforto individual de uma parcela significativa da classe média habitante da cidade consolidada, no entre rios principalmente.

Este projeto, que vai interligar de modo muito adequado a Paulista ao Bexiga, pedestrianizando um percurso que já existe, é bem vindo.

Sim, ele atende aos interesses do empreendedor. Mas atende também a interesses coletivos e difusos, coisa que São Paulo não sabe mais o que significa, e atende a princípios bastante necessários na construção da cidade hoje.

Por outro lado, e este me parece ser seu maior ponto positivo, é um projeto de um empreendimento que propõe concretamente para o entorno e não se limita a medíocres medidas mitigadoras de volume de tráfego, que em geral não passam de compromissos inócuos e sem significado urbanístico (isso quando não se limitam a mais atrapalhar do que a ajudar, exatamente por se aterem apenas ao problema dos automóveis).

Os empreendedores (de um projeto que é polêmico desde o nascimento) estão dando um banho nos capitalistas (??) extrativistas tupiniquins seja no volume de investimento, no grau de risco assumido, na tecnologia empregada e, agora, no envolvimento com a cidade.

Eu estimo, empiricamente, que esta ligação Paulista/Bexiga vai valorizar entre 5 a 10% a busca e o market share do empreendimento, o que deve se refletir na manutenção do valor do m² no tempo (vai continuar valendo muito por mais tempo) em função do volume de pessoas que passará por ali. Para isso estão gastando no máximo, no máximo, 5% do valor do investimento.

Senão, vejamos.

O mercado imobiliário paulistano acaba de demolir a Avenida Rebouças em apenas seis meses, da esquina com a Paulista até a Marginal Pinheiros. São investimento da muitos bilhões de Reais.

Se tivessem conversado, num jantar que fosse, e resolvido investir 2,5% ao menos em um projeto urbanístico para a avenida, poderíamos estar começando a desenhar e a construir a cidade do século XXI.

A invés disto, não, não alargaram sequer um metro de calçada… Cada prédio no seu lote, cada pé de cana na sua fazenda…

Estes projetos dão o que pensar!!!

São fruto do poder da grana, sim, claro. Um, na Rebouças, é o da extração. O outro, com um pouco mais de oportunismo capitalista, um capitalismo que já ultrapassou a fase da acumulação primitiva, se dá ao trabalho, e ao luxo, de investir em interesses difusos e em espaço público para ganhar ainda mais dinheiro. Em plena avenida Paulista, a meca local da… grana!

É um empreendimento que, sim, dá o que pensar. Sobretudo sendo um empreendimento estrangeiro no qual, segundo a lenda, Nouvell chegava de jatinho particular no Gru Airport pela manhã, ia de helicóptero até o canteiro e retornava no final da tarde sem falar com nenhum brasileiro (lenda urbana?).

Vamos ao debate…

Valter Caldana

Ps. – Associo à minha observação na matéria do Estadão e no texto acima esta minha fala nesta matéria da BBC em 2012 !!!! (leia aqui)

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