ou como a indigência estratégica
leva à perda de trilhões
e de tostões.
A ocupação do litoral norte, o verdadeiro paraíso tropical, é uma das maiores incoerências que fomos capazes de produzir.
Se lembrarmos que ele só (r)existe como tal, ainda que combalido e ameaçado, graças à firmeza de políticos como Franco Montoro que ousou apoiar e bancar a ação técnica que culminou com o tombamento da Serra do Mar pelo hoje também ameaçado e combalido CONDEPHAAT, as incoerências e inconsistências ficam ainda mais evidentes.
Como ficam evidentes o descompasso e os retrocessos a que estamos submetidos e que a sociedade está apoiando fortemente através do voto.
Ao lado de um projeto de preservação importantíssimo e de grande profundidade e efeitos positivos chamado Serra do Mar que vinha sendo desenvolvido pelo Governo do Estado, este mesmo governo do estado promove, contraditoriamente, duplicações e prolongamentos da malha rodoviária sub regional do litoral norte atendendo a critérios e valores essencialmente ultrapassados.
Privilegia o fluxo sazonal de automóveis particulares de passeio (neste caso literalmente), o transporte de passageiros e carga a base de pneu e diesel, e reforça ligações com o planalto que favorecem a ocupação da baixada da mesma forma espraiada, extrativista e predatória fartamente conhecida e que é absolutamente ameaçadora à galinha dos ovos de ouro, neste caso, ovos de ouro verde.
Essencialmente o mesmíssimo modelo de sempre (desde 1500?) e que, neste caso, vai destruir o próprio ganha pão da região, sua qualidade ambiental e sua beleza natural, em pouco mais de trinta anos.
Quem conhece o Guarujá, a primeira vítima contemporânea deste processo, sabe do que estou falando.
Nem vou aqui me alongar na questão da caricata ponte do Guarujá, da expansão de Bertioga, do modelo de ampliação do porto de petróleo em São Sebastião ou na desarticulação entre os planos diretores de Santos, São Sebastião, Caraguá, Ubatuba e, por que não, Paraty e Angra. Ou mesmo na ausência ou aprofundamento dos capítulos dedicados à ligação com o litoral nos planos de São José dos Campos e Taubaté…
Claro, isso por que a inteligência e o acervo de planejamento regional do estado foi pelo ralo (ou levado pela maré) com o fechamento do CEPAM e agora da Emplasa. Sem falar da SUDELPA do saudoso e brilhante José Eduardo Raduan, de quem é sempre um prazer lembrar e reverenciar a memória.
No âmbito do projeto Serra do Mar tivemos a oportunidade de estudar a questão e desenvolver um projeto para esta área em conjunto com a Faculdade de Arquitetura da Cidade e do Território de Marne la Vallée, com o Arquiteto David Mangin e estudantes, sobre a questão do uso e ocupação do solo com ênfase em habitação e mobilidade.
Ali ficou claro que ainda há a possibilidade da implantação de um sistema alternativo de desenvolvimento econômico e social, com características fortemente preservadoras e, portanto, mais estável e duradouro no tempo.
Para isso é preciso inibir e desestimular o crescimento dos sub centros e mini polos que se formaram e continuam se formando ao longo da costa, dos quais Maresias, tema da reportagem anexa, é um dos melhores exemplos.
Neste sentido, o sistema deve estar alicerçado no adensamento dos três polos existentes – São Sebastião, Caraguá e Ubatuba – e na potencialização de suas complementaridades, rebatidas no território através da implantação de interligações contínuas, eficientes e confortáveis feitas por veículos leves de transporte coletivo de passageiros e de carga, de preferência sobre trilhos.
É preciso reforçar a complementaridade da atividade econômica de comércio e serviços dos polos já estabelecidos, elevando e qualificando sua oferta sobretudo através da qualificação de mão de obra para o setor e explorando ao máximo o movimento pendular já existente entre eles.
Sahy
A título de registro, a partir destas diretrizes conjuntas definidas pela equipe geral nosso grupo do LPP desenvolveu com a equipe da UGP Serra do Mar da Secretaria da Habitação do Estado um projeto específico para a Vila Sahy e a praia da barra do Sahy.
Rompendo com os atuais paradigmas da dinâmica de ocupação daquela região, a base do projeto foi a compreensão da área como uma unidade e não como uma dualidade.
Foram apresentadas diretrizes, possíveis de serem seguidas em outras intervenções, para áreas de risco, uso e ocupação do solo, regularização fundiária, saneamento, criação de emprego e renda, valorização cultural e preservação ambiental, em especial das águas, problema que se vê menos que o do desmatamento, mas se sente mais.
Todo este textão foi para dizer aos que chegaram até aqui (a quem agradeço o apoio, a força, ‘tamo junto’) que esta polêmica e esta discussão que a Folha reporta em matéria de ontem (31/01/2020), sobre fazer um conjunto habitacional em Maresias, se feita sem incluir e considerar os aspectos sistêmicos da ocupação do sistema Serra do Mar / Litoral Norte de São Paulo e Litoral Sul do Rio de Janeiro é pura perda de tempo.
Além de prejudicar famílias que certamente precisam da moradia, o recusa à construção de moradias populares acabará sendo compreendida apenas como a face visível de uma tentativa de preservação de patrimônios privados de curtíssimo alcance.
Quem nisso insiste, por maior que seja sua vitória momentânea, pelo jeito não consegue entender que, se encarado pontualmente o problema, este seu patrimônio não está ameaçado.
Está condenado.
Valter Caldana