ou o custo da opção
pelas trevas e
pela ignorância
Transcrevo aqui o texto base de uma intervenção que fiz em um debate sobre o desmonte das estruturas de inteligência e produção de conhecimento estratégico do Estado de São Paulo, em junho do ano passado.
Lamento que o texto seja tão longo, mas é uma transcrição e como quase todos aqui sabem, falo demais
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Caros,
Este assunto é serio e entristecedor.
Diversamente de outras “desestatizações” que estão sendo promovidas por motivação apenas ideológico-publicitárias sem grande consistência estratégica ou administrativa mas que podem ser contornadas ou superadas com o tempo (ou se recompra o ativo, ou se espera acabar o prazo de concessão, ou se habitua a não tê-lo mais e se faz a cidade por outros caminhos, enfim…) no caso da EMPLASA, CEPAM, IGC, SEADE, FUNDAP e vários órgãos e institutos do Estado de São Paulo responsáveis por pesquisas, produção de dados, conhecimento, inteligência e formulação de planejamento estratégico, não tem retorno.
É um desmantelamento que não se recupera e cuja interrupção vai custar a hegemonia do Estado de São Paulo no cenário nacional e nossa inserção internacional. É como um cérebro que fica mais de seis minutos sem oxigênio.
É uma política suicida e anacrônica que, infelizmente, conta com o apoio de significativa parcela da nossa sociedade que acha que São Paulo chegou onde está por obra e graça do divino ou que as coisas sempre foram como são. Que não teve luta, sangue, suor e lágrimas do paulistas de todas as partes, de todas as origens.
Este movimento de tornar o Estado de São Paulo um grande produtor de conhecimento, inteligência e estratégias começou, a bem da verdade, logo depois da nossa "derrota" em 1932. A resposta dada foi a criação da Universidade de São Paulo e diversos institutos de pesquisa por gente do calibre de Armando de Salles Oliveira.
Depois esta política foi fortalecida constantemente e teve impulsos especiais nos governos de Carvalho Pinto, do grande Paulo Egídio Martins, do inesquecível Franco Montoro e, pasme, até mesmo de Orestes Quércia com seu incentivo às três Universidades e à UNESP em especial, chegando a Covas.
O mundo está mudando amigos, e São Paulo precisa ficar atento.Não há dúvida de que estas instituições que citei e outras tantas têm problemas, e graves problemas. Nisso, concordamos completamente.
Houve ali, nestas agências, nos últimos anos a somatória do desmazelo por parte de sucessivos governos (instalações, equipamentos, concursos para renovação de pessoal…), asfixiando-as, e a soberba corporativa aliada a uma ingenuidade auto aniquiladora de uma elite de funcionários que perdeu oportunidades variadas de mostrar sua importância na sobrevivência da excelência do Estado de São Paulo.
Mas, cabe a nós lembrar que elas foram e são essenciais para que o Estado de São Paulo tenha conquistado e consiga manter sua excelência e sua hegemonia neste país tão combalido, que caminha aceleradamente para a insolvência (não financeira, mas ética, deontológica, cultural…).
Por isso, volto ao debate para reiterar que acredito precisarmos superar esta visão de que a solução para coisas que não funcionam bem seja o descarte… Talvez eu seja um arquiteto mais interessado em recuperação e renovação de estruturas do que em tábula rasa.
Vou me aproveitar da vossa paciência e generosidade para com este anacrônico Policarpo Quaresma para trazer quatro episódios que vivenciei e que me parecem emblemáticos para a compreensão desta questão:
> Anos 1980, Montoro pega o governo em frangalhos e entre estes galhos e frangos o CEPAM, à época o maior cabide de empregos do governo do estado. Muito se falou em fechá-lo, simplesmente. Dr. Chopin pega o pião na unha e em pouco mais de um ano saneou as contas, montou uma equipe de técnicos jovens e sêniores absolutamente engajados com o projeto de governo (havia um!) e passa a desenvolver projetos inovadores que vão desde a vaca mecânica até o aguapé (um fiasco! risos) passando pelo mais avançado projeto de descentralização administrativa e orçamento participativo que este país já viu. Além do “interior na praia”, o mais belo de todos.
> Anos 2015 vou ao IAU – Instituto de planejamento e urbanismo da Região Île de France para um breve período de pesquisas na biblioteca e com técnicos da casa. Lá estando fui procurado por um técnico de outro departamento que não o que eu me encontrava, me pedindo alguns minutos para discutir alguns assuntos brasileiros. Tratava- se um técnico de um departamento responsável por fazer pesquisas a análises sobre legislação urbana e marco regulatório em cidades importantes de países estrategicamente importantes para a França e a Região.
Eles mantém lá um banco de dados sobre esta questão que disponibilizam para governo e empresas francesas que queiram investir nestas cidades e países. Além de muito mais… Para minha surpresa o assunto que me pediam ajuda era o Estatuto da Metrópole, editado não havia sequer dois meses. Sim! Havia um grupo de técnicos de uma repartição pública regional francesa debruçada em analisar e conhecer uma legislação tupiniquim que acabara de ser editada. Para que pudesse ser levada em consideração em ações ou missões francesas em nosso território…
> Há 20 dias, conversando com um importante membro do atual governo municipal recém chegado de Seul, onde esteve a convite do governo coreano conhecendo a estrutura de planejamento estratégico urbano e regional deles. Um estrutura, segundo seu relato, com 3.000 pessoas que neste momento estudam, como a francesa, situações no mundo todo e etc. e de outro lado se dedicam a estudar smart cities, interação tecnológica e à montagem de um completo big data local, inicialmente para auxílio à decisão na formulação de políticas públicas. Fora, claro, o “feijão com arroz” que é a formulação das próprias políticas, programas e projetos transversais.
> Ontem, fui apresentado a um pesquisador brasileiro de um dos laboratórios de urbanismo do MIT com quem estamos sonhando fechar um convênio. O laboratório, que existe há 16 anos, vive de fazer pesquisas, análises e projetos sobre o tema e sua sustentação vem da venda de serviços para empresas e principalmente governos municipais e regionais americanos e de outros países. Treinam pessoal de agências locais. Boa parte dos pesquisadores estrangeiros do laboratório são chineses e coreanos.
Bem, para quem chegou até aqui…
O mundo mudou, já mudou. Não estamos mais na década de 1980/90, do tatcherismo que já vai longe. Menos ainda na de 1960/70, do nacional desenvolvimentismo quase simplista…
Agora as coisa são paradoxalmente mais simples: inteligência virou serviço. Informação, conhecimento, data e tecnologia são hoje a realidade. Manda quem tem, produz e vende, obedece que compra, consome e paga.
Por isso acho tão triste, e grave, ver o governo do estado simplesmente abrir mão de suas estruturas geradoras de dados, informações, conhecimento e análises estratégicas para colocar nada no lugar. Isto não me parece ser evolução. Ainda que eu entenda ser esta minha posição, hoje, bem minoritária.
Muito obrigado
Valter Caldana