Ameaças e ameaças

ou quem ameaça o que
ou o que ameaça quem

Esta pandemia, mais uma, traz uma questão muito mais séria do que ela própria. Ela traz em si a evidência de que nós estamos aprendendo pouco, muito pouco com nós mesmos e com nossa trajetória.

O fato é que a humanidade está chegando ao colapso de seus modelos de sobrevivência no planeta. Todos eles estão fazendo água, muita água. Não conseguem mais resistir ao peso de suas contradições e a ineficiência de seus instrumentos diante da superpopulação, da sofisticação inaudita das relações econômicas, políticas e sociais e da velocidade dos hipertextos e hiperlugares possibilitados pela conectividade plena.

O que se evidencia cada vez mais claramente é que a fragmentação e a incapacidade de encontrar força para uma verdadeira união da espécie em torno de interesses basilares comuns assim como a superação de divisões artificiais construídas e alimentadas ao longo da História fica cada vez mais distante.

Já há algum tempo me parece que a única possibilidade de superação desta realidade, deste fim dos tempos, é o surgimento de um inimigo comum.

Sim, algo bastante potente que faça com que cada ser humano em sua individualidade ou coletividade se sinta ameaçado e consiga perceber que diante da tal ameaça não haverá salvação individual mas apenas coletiva. Se sinta ameaçado a ponto de abrir mão de qualquer sentimento de superioridade ou inferioridade com relação ao outro. Ou seja, uma ameaça que nos nivele e nos reduza, ou aumente, à nossa essencial condição de igualdade. Que nos dimensione.

A natureza tem feito este papel. Universo do equilíbrio e das igualdades por definição, desde sempre alvo principal da ação humana no planeta, ela reage e nos dá avisos constantes. Ela provoca, indica. Chega mesmo a criar estas ameaças a que me refiro, na forma de desequilíbrios didáticos e exemplares que chamamos ora de fenômenos, ora de tragédias, para ver se nos tocamos e… nada!

Este é o problema. Nada tem conseguido fazer despertar na humanidade o sentido da igualdade, da equivalência, da necessidade da mutualidade. Nem intempéries como vulcões em erupção, ciclones e furacões, tsunamis, aquecimentos, secas e inundações cíclicas, cuja frequência é cada vez maior em períodos cada vez menores, nem pandemias mortais como a fome, a pior de todas, e as virais, como esta atual.

O que leva à seguinte consideração. Já que nenhuma ameaça surgida dentro deste globinho que habitamos é capaz de nos dar metro, de nos fazer entender que o jogo aqui é para terminar empatado e que nós é que fazemos barulho demais e urinamos fora do pinico, será que realmente vamos ter que ficar na dependência de uma ameaça extra terrestre? Na dependência do dia em que faremos contato? Afinal, seriam, realmente, os deuses, astronautas? Quem virá? O que virá?

Esta pandemia vai passar. Vai infectar e matar muito, mas muito menos gente do que a fome. E muitíssimo menos gente do que um monte de outras epidemias e endemias fartamente conhecidas por todos nós. Por ciência e governos. Por sociedade e empresas.

E vai deixar a lembrança de algumas perdas e a dica… a humanidade continua, como sempre, temendo só uma coisa. O desconhecido. E, assim que ela o conhece, o fagocita e toca seu caminho, imperfeito, contraditório, desequilibrado, injusto.

Com alguns dos seus bradando, para animar a festa: defina justiça, defina equilíbrio, defina ética!

Valter Caldana

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