Em boa medida a operação abafa o caso já começou…
Mais uma vez será discutido o acessório e não a questão central.
Ao contrário de se encarar e se discutir as contradições do sistema econômico e as distorções que este provoca nas cadeias produtivas e no acesso aos benefícios da vida urbana, sobretudo a desigualdade, se discutirá a densidade.
Claro, alegando-se que a elevação da densidade populacional urbana é a responsável pelas mazelas sanitárias do mundo, em especial dos países pobres ética, política e materialmente como o nosso.
Será uma discussão que virá, inclusive, com ares doutorais legitimada pelas vestes douradas de um saudável retorno às origens da urbanística moderna e do urbanismo sanitarista do início do século XIX, surgido para tentar recuperar os problemas de alojamento e reprodução da mão de obra surgidos após a Revolução Industrial do final do século XVIII.
Durante um bom período eu e tantos outros estivemos alertando que nosso marco regulatório, em especial a Lei de Zoneamento é totalmente anacrônica. Ultrapassada conceitualmente envelhecida tecnicamente, ainda insiste em se basar no lote (parcelamento e propriedade) e no tipo de uso para modelar a cidade quando deveria estar baseada justamente em fluxos, incomodidades e… adivinhe! Densidades!
Pois é. Quando esta deveria ter sido discutida e considerada na preparação das bases para um desenvolvimento mais humano e mais próximo da realidade, do cotidiano, não foi. Agora, na emergência, quando o problema é o modelo de desenvolvimento urbano espraiado, segregador e inacessível ela passará a ser o problema, nos condenando mais uma vez ao atraso.
A busca de saídas simplistas, desfocadas do problema principal e retro alimentadoras dos problemas estruturais já existentes (desigualdade e segregações à frente) vai colocar a questão da densidade já condenada no banco dos réus e em seguida vai submetê-la à execração pública, antes de tentar executá-la.
Ocorre que, como com outros conceitos seminais e estruturadores da vida humana no planeta, a densidade urbana apanha, sofre, vai à míngua, mas sobrevive.
É preciso que fique claro.
Vilanizar a densidade numa cidade desigual por modelo não é só conservador. Ressuscitando uma palavra quase morta, é reacionário. Anda para trás.
Para quem tiver um tempo livre e curiosidade, segue um (longo) texto sobre este e outros assuntos correlatos.
Valter Caldana