07 de setembro de 2024
Falta um mês para as eleições
A eleição municipal é a mais tangível, real e sempre a mais contraditória.
Por um lado, é incômoda e até irritante em função da superficialidade e a quase irresponsabilidade do que se ouve: propostas impertinentes, inconsistentes e incoerentes apresentadas como panaceia, claramente irrealizáveis ou, pior, desvinculadas de qualquer objetivo de médio ou longo prazo.
Provoca inconformismo, também, a recorrente falta de explicitação de um projeto integrador, que articule a infindável lista de promessas e que apresente em sua totalidade o que a candidatura está propondo. Suas motivações, suas posições, suas verdadeiras intenções. A quem interessa quase sempre é mais importante do que a quem atende, pois está diretamente vinculado a um fator essencial, que é saber como atende.
Para avançar bastaria algo simples, assim como uma fala que inclua “a cidade que propomos e pretendemos ter daqui quatro anos terá estas características, será assim: papapá, pipipi, popopó. Este é o nosso projeto, e para que ele se realize as principais políticas públicas que desenvolveremos serão estas e as principais obras estas daqui”. E então as mostra, em todos os seus principais aspectos.
Não entendeu? Quer que desenhe?
Sim! Quero que desenhe. Quero entender, dirá o cidadão, a cidadã comum, nós, estes agentes prioritários e ordinários da Democracia, seres urbanos que são, somos, antes de mais nada seres humanos.
Porém, infelizmente não adianta esperar, essa clareza não existe.
Não que as candidaturas não a tenham. Tem, tem sim!
Como sempre digo, esta é uma cidade minuciosamente planejada e cada candidatura sabe muito bem o que quer, quais são suas prioridades e seus objetivos. Sabe a que e a quem serve. Lembrando, aqui, que os candidatos são apenas porta-vozes das candidaturas e seus interesses. São intermediários entre estes interesses e a cidade, entre estes interesses e o cidadão. Ocorre que, neste percurso, um elo não se estabelece ou se fragiliza: o que define as relações entre a cidade e cidadania.
Entretanto, por outro lado não há como não ficar feliz por ver as causas reais de problemas estruturais começarem, ainda que lentamente, a ganhar espaço nos discursos, nas retóricas e mesmo no proselitismo. O que possibilita, às vezes, entrever o que está oculto, sombreado pelas palavras de ordem e pela lista de obras. Antever o interesse, tanto quanto o atendimento.
Por exemplo, já não se fala só do congestionamento, já se fala na mobilidade. Já não se fala apenas do ônibus lotado, mas se fala das linhas mal desenhadas. Já não se fala apenas do preço da tarifa, mas já se esboça alguma consideração sobre o custo do sistema e até mesmo já se ameaça discutir quem paga a conta, a tarifa e o subsídio. Tarifa zero vem aí, a quem atende, a quem interessa?
O mesmo vale para outros setores como a habitação. Já surgem propostas para além do “vou dar casa”, preparando o terreno para a compreensão de que a política habitacional demanda qualidade e atende o beneficiário, mas interessa a toda a sociedade. Tenha ou não tenha onde morar.
Vale para a Cultura, com o reconhecimento da sua força econômica, política e social e sua capacidade de promover, ainda que incipientemente, a diversidade. Vale para a Educação, instrumento único e definitivo para construir, solidificar, espraiar e proteger a cidadania. Portanto, a cidade.
É positivo que aqui e acolá já se explicite e se admita, ainda que muito discretamente, que o atual estágio deste modelo de produção da cidade atende a interesses vários, mas não interessa a todos. E, hoje, doente, produz mais desigualdade do que se consegue suportar, colocando a si e a todos nós em risco.
Se há aspectos positivos, tão importantes, sempre existe um mas, um porém.
Ainda se insiste na superada e equivocada bipolaridade centro-periferia, na segurança desvinculada da qualidade dos equipamentos, na mobilidade sem tocar no modelo de produção e consumo, na crise ambiental sem focar no zoneamento, na qualidade de vida sem falar no no valor da terra e no extrativismo exacerbado. Se insiste, ainda, na manutenção da lista de obras desarticuladas e desejos desconexos como a tônica das campanhas. É o que se mostra, é o que se vende.
Educação, saneamento, habitação, desigualdade e todos os demais temas se mantém desarticulados entre si. A cidade em seu todo permanece ausente, a escala humana do território continua inexistente. Uso do solo e meio ambiente continuam ocultos e meramente mercantilizados.
Infelizmente, é necessário lembrar e destacar que esta não é uma característica, é uma necessidade das campanhas.
Sim, pois caso apresentem as propostas articuladas entre si correrão o risco de tornar explícitas suas motivações, suas opções, suas escolhas, seus afavores, seus desfavores. Seu projeto.
A pergunta é: estamos preparados para encará-los, estes projetos?
E este é o ponto. Cadê o projeto?
Sua cidade é dia ou é noite, é alegre ou triste, é pública ou privada, é coletiva ou individual, é colorida ou cinza, é leito ou calçada, é acolhedora ou segregadora, é grama ou asfalto, é magra e alta ou gorda e baixa, é diversa ou homogênea, é acessível e próxima ou distante e inacessível, é ativa, cri ativa, recre ativa ou apenas re ativa?
Feitas estas opções, como as realizará? Com quem? Para quem?
Aí sim a lista de obras e as palavras de ordem, os bordões e slogans passarão a ter algum sentido, alguma pertinência, consistência e alguma coerência.
No momento, para simplificar, se poderia começar com algumas respostas simples.
Tem história no seu futuro? Tem calçada no seu asfalto? Tem grama e banco na sua calçada? Tem calçada na sua cidade?
Tem gente?
Feliz 2029!
Valter Caldana