Em poucas e genéricas linhas sobre a LPUOS, o Zoneamento, que escrevo antes da segunda votação, me parece que o problema estrutural reside no fato de que o que se está construindo não atende aos preceitos urbanísticos / ambientais / humanísticos mais contemporâneos. Sustentabilidade e ESG ainda estão no navio, atravessamdo o Atlântico. Tem coisa muito melhor pensada, organizada, testada e implantada no mundo, no capitalismo central. Aqui parece que o navio está vindo de lado.
Lembrando que a única coisa boa de estar muito atrasado numa ação é aprender com os erros dos outros, e com os acertos, nem isso foi feito!
Nós, bem atrasados, ao contrário continuamos empacados numa situação anacrônica e superadíssima onde se alimenta a dicotomia entre fazer cidade de qualidade e ganhar dinheiro, como se fossem ações antagônicas ou excludentes. Ou, pior, empacamos na visão e na prática de que é preciso ignorar, desrespeitar ou estragar a cidade para se ganhar dinheiro.
Isto é muito velho, superado nas grandes cidades capitalistas do mundo há 40 anos (período que aqui chamo de apagão urbanístico). “Lá fora” já descobriram faz tempo que fazer boa cidade dá dinheiro. E que fazer ótimas cidades dá muito dinheiro…
Veja o eixo da Rebouças, por exemplo.
O que deve acontecer ali é mais ou menos o seguinte: primeiro teremos uma cidade fantasma, depois empobrecida e depois encurtiçada, o que é assustador e sofre enorme rejeição por parcela majoritáriada sociedade..
Já vimos isso acontecer no centro, num mecanismo essencialmente idêntico. Se implantou uma cidade sobre a pré existência sem muito respeito e numa velocidade e voracidade espantosas para sua epoca, atendendo interesses imediatistas. Sem raízes, sem aderência, veio a degringola. Degringola de uma área superequipada.
Então a sociedade tem que de duas, duas: primeiro perder a área e internalizar o prejuízo para depois gastar bilhões para “dar um jeito” de recuperar o patrimônio perdido. O centro de São Paulo viveu as duas situações. De 1980 a 1995/2000 viveu a primeira. De 2000 para cá vive a segunda…
A pergunta que fica é sempre a mesma. Afinal, quem ganha com isso?
Essencialmente no curtíssimo prazo ganha um segmento especifico da sociedade com forte ligação e interesses num também específico segmento do mercado imobiliário. Hoje, o segmento irrigado por capitais externos, fruto dos IPOs dos anos 10.
Mas no médio e no longo ninguém ganha, a meu ver. Todos perdemos. Ou, de outra forma, desta vez, e esta é a grande novidade, como dizia o poeta Cazuza, ganha apenas o capital volátil, que realiza rápido e que na hora do prejuízo já estará bem longe daqui.
Por isso esta revisão do marco regulatório, PDE + LPUOS não foi boa. O marco regulatório é um conjunto de normas de médio prazo, não de curto prazo. Muito menos de curtíssimo. Toda vez que é alterado para atender interesses imediatos, o resultado é ruim.
Porém a esta altura pouco importa se a revisão foi boa ou ruim.
O que importa, a lição de casa, é focar na sua regulamentação.
Falei sobre isso em 2015, logo depois da promulgação do PDE, em 2017, quando o breve prefeito confundiu PDE com Zoneamento e fez uma lambança. Voltei a falar em 2019/20 quando deveríamos ter começado a revisão e não começamos e estou falando de novo agora.
Claro que se tanto se fala e ninguém dá bola é porque o que se fala não está aderente. Talvez nem mesmo correto. Sei bem e corro este risco, com você que leu até aqui, a quem agradeço.
Mas, por outro lado, olhando a cidade pela janela, o que vejo melancolicamente é sempre mais do mesmo… e piorando.
….
Uma outra coisa que me incomoda bastante é verificar a diferença de tratamento que os grandes capitais dispensam à cidade aqui e alhures…
Sem entrar em grandes considerações sociológicas, sobre a higienização e a gentrificação por exemplo, basta ver a diferença entre os investimentos privados no Hudson Yards e seu _highline_ e o nosso nojento minhocão, no Paris Rive Gauche e na nossa orla ferroviária, sem falar no Clichy / Zona Leste.
Ou vamos falar de Berlim Potsdamer Anhangabau Platz ou nos investimentos privados em Londres / arco Tamanduateí… Até a ‘pobrinha’ Milano ganhou a sua Porta Nuova / Barra Funda!
Mas, tenho esperança de estar errado, sendo apenas mais um péssimo pessimista.
Valter Caldana