MORRE GENTE

“Há um extrativismo urbano”. Em 2015, a equipe de Caldana liderou, a pedido da CDHU, do governo estadual, um estudo urbanístico para a Vila Sahy, que alertava para a necessidade de transferir 180 famílias de áreas de risco para conjuntos habitacionais em áreas com infraestrutura no município, inclusive de transporte, além da reurbanização da parte plana do bairro.

“Mas o alerta ficou apenas no papel. Segundo o governo do estado, o trabalho era apenas um estudo acadêmico, e não um projeto, realizado por meio de cooperação internacional entre estudantes franceses e brasileiros.”

Pois é.
Enquanto a mentalidade lá dentro for a de que um projeto acadêmico realizado por profissionais de dois países, uma equipe de mais de 20 pessoas, que lhes entrega um conjunto de diretrizes e anteprojetos nas escalas regional, local e pontual (incluindo centro comercial, escola, habitações e etc) e além disso lhes faz um alerta a partir de dados fornecidos por eles mesmos seja apenas, , então tenho a impressão, apenas acadêmica, de que muita água vai rolar, muito dinheiro vai se rasgar e, infelizmente, muita gente pode morrer.

Valter Caldana

https://www.acessa.com/noticias/2023/02/amp/131434-metro-quadrado-na-praia-custa-quase-12-vezes-o-da-area-da-tragedia-no-sahy.html?fbclid=IwY2xjawL4ctdleHRuA2FlbQIxMQABHhgTXaHcVujX3Xqs_LyP9HgCoYO4tuI0lPkocH0z_xGLQrweQYGtaD7wdLY0_aem_RTbW1LI_wzmqPs789HjTOA

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CADÊ O PROJETO

Aeroporto de Congonhas – Dep. Freitas Nobre, um dos principais pilares da hegemonia paulistana, a cidade sobre a qual alguns ainda acreditam que cresceu sem planejamento.
Judiado como ele só, é bravo e resistente.
Salve Congonhas e sua bela história na construção de uma São Paulo de quem se ouve o eco de seu apogeu (e o som de suas súplicas), de quem se tem saudades mesmo sem ter vivido e de quem somos péssimos herdeiros.
….
Em tempo
Linda história, também, para que se perceba como tornamos tosca e empobrecida a discussão sobre o que seja PPP e o seu papel na construção da cidade. Em uma só frase: cadê o projeto?

Valter Caldana

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REALIDADE E OPÇÃO

Vendo o noticiário sobre mais um mega deslizamento no litoral norte, devo fazer um enorme esforço para não publicar um post cheio de obviedades, falando o que todos sabem e muitos já escreveram aqui e alhures nos últimos dias.
Porém, o foco da tragédia na Vila Sahy me deixa particularmente tocado pois conheci várias pessoas por lá, durante um projeto de que participei em 2016.
Por isso me sinto compelido a fazer alguns comentários e contar algumas histórias deste projeto muito especial de nosso laboratório (LPP – laboratório de projetos e políticas públicas da FAUMACK) elaborado em parceria com a Escola de Marne la Valée (Mangin David Remi Ferrand França) e a UGP/CDHU (Eduardo Trani e Fernando Chucre) do governo do Estado.
Lá pudemos fazer (usando técnicas participativas e colaborativas) um plano de bairro e projeto local para o Sahy, com foco na Vila Sahy que fica entre a estrada e a serra e onde vidas e patrimônio se perderam nos últimos dias.
Este projeto, um pequeno ponto parte integrante de um projeto muito maior, de grande profundidade e alcance chamado, não por acaso, Projeto Serra do Mar, do governo do estado de São Paulo, teve como foco propor soluções para coibir, de modo ativo e não apenas repressivo, a ocupação excessiva e irregular da serra nas áreas já tombadas e nas áreas de risco lindeiras à cota limite.
A Vila Sahy foi a escolhida pela equipe como uma espécie de piloto, justamente por suas características peculiares. Reunia todas as características espalhadas pelos quase 200 km de ocupação similar que encontramos ali entre Bertioga e Ubatuba.
Não vou entrar aqui em detalhes do projeto, não é hora nem lugar, mas cito três pontos estruturadores da proposta que fizemos.
. Aumentar a mobilidade entre os centros consolidados e os municípios da sub-região através da implantação de sistema de transporte público de média capacidade interligando as cidades.
Elevando a mobilidade, se consegue diminuir a atratividade dos condomínio de turismo e classe média alta que se situam na faixa entre a estrada e o mar.
. Criar sub centros de comércio e prestação de serviço possibilitando a criação de emprego e renda, além de promover uma intensa mobilidade transversal ao eixo da rodovia, interligando as áreas de modo a diminuir a segregação e facilitar a mobilidade de pessoas, bens, serviços e águas.
. Especificamente no Sahy a proposta contemplava, ainda, em 2016, a criação de lagoa de contenção, direcionamento e controle de vazão das águas, a remoção de aproximadamente 160 famílias (podendo chegar a 210) que se encontravam, já naquela época, em área de risco, e a implantação de dois condomínios residenciais para a transferência destas famílias que teriam suas casas removidas.
Todos sabemos das fragilidades geológicas da região. Sabemos da ocupação inadequada, sabemos dos efeitos perniciosos e deletérios do patrimonialismo e da mercantilização excessiva da natureza e da terra, do descuido geral, em especial privado, com as condições de desenvolvimento urbano e ocupação daquela faixa do litoral.
Todos sabemos da tragédia de 1966, e todos sabemos que não fora o heroico tombamento da serra do mar nos anos 1980 a situação seria ainda pior.
Arrisco dizer, também, que não fosse este projeto Serra do Mar, que já produziu efeitos importantes na região da baixada santista, tudo poderia ser ainda pior.
Claro, por fim, cabe entender que a quantidade de chuva concentrada foi totalmente atípica e isto explica parte de todo o ocorrido.
Dito isto, além de externar minha tristeza pelo ocorrido e minha preocupação com as pessoas que conheci durante o projeto e que espero que estejam bem e seguras, quero aqui fazer um alerta para a necessidade de que se mude a maneira como determinadas prioridades e políticas públicas são encaradas pela sociedade.
Num país, sobretudo em suas classes médias urbanas, que tem se jactado de ser Liberal, chamam a atenção as reações diante de cada nova tragédia cobrando ação “do governo”.
Sim, o governo tem que agir. Mas, as decisões de ação “do governo” não são autóctones. Não são isoladas. Não são mais fruto de uma casta iluminada de tecnocratas, como fora em outros tempos.
Ao contrário, as ações “do governo” são frutos de movimentações da sociedade e de suas pressões, legítimas ou não. O governo mais do que age, reage. Isto é a Política.
Recentemente comentei aqui que o governo do estado havia gasto, a meu ver de modo equivocado, centenas de milhões de reais na duplicação da Tamoios.
Não gastou porque quis. Gastou por ser um entendimento da sociedade de que valia a pena gastar. Fomentou o turismo, aumentou a acessibilidade da classe média do interior do estado e da capital ao seu lazer de verão, beneficiou a indústria petroleira e petrolífera e de quebra a automobilística.
Numa tacada só, a este custo não módico, incrementou o uso e a ocupação da fixa litorânea com nenhuma ou pouquíssima ação mitigadora preventiva. Nenhum centavo em sistemas capazes de filtrar e amortecer todo o aumento de atividade, sobretudo imobiliária, no litoral…
Mais do que isso, a sociedade/poder econômico e político que pressiona por um projeto como o da duplicação da Tamoios, é a mesma que não investe um centavo sequer em pesquisa e desenvolvimento, é a mesma que faz projetos de loteamentos e condomínios praticamente do mesmo modo há cinquenta anos, é a mesma que não criou, neste meio século, um fundo (milionário) para o financiamento sustentável do desenvolvimento local, que não contratou projetos específicos para a ocupação de “suas” terras.
Enfim, chateado, já escrevi demais e desta vez ficou bem confuso o texto. Mas, tudo isso para dizer que, sim, o governo tinha que ter feito. Mas, mesmo quando faz, não adianta.
E para dizer que ou os liberais nacionais aprendem que liberal que é liberal gasta dinheiro, o seu dinheiro, ou esta história está ficando bem cansativa. Não dá para ser liberal usando só o dinheiro público e esperando os efeitos da ação.
Ah, e antes que chovam comentários falando da carga tributária, sugiro que realmente se verifique esta carga nos países desenvolvidos e neles a quantidade de dinheiro investido pela iniciativa privada em ações de médio e longo prazo de benefício público.
A chuva, todo janeiro, fevereiro e março, vem. Ela é uma realidade, e o que fazer com ela é uma opção.
Sigamos.
…………
A maravilhosa aventura humana.

Valter Caldana

https://www.instagram.com/reel/Co4-iwKv8lV/?igshid=MDJmNzVkMjY%3D&fbclid=IwY2xjawL4eqZleHRuA2FlbQIxMABicmlkETFmbTlJVWNEMGRxckh0TFEwAR4-kwSsmCPWykMD3LAJh451Y53wUuQqgfidxU51IYIL0y7InBOK50sRHpJRwA_aem_TJI64YmtbGjwrBLQUoH1XA

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PLANO (DE) NOVO

Assistindo aqui vários trechos da audiência pública da revisão do Plano diretor de São Paulo, ocorrida ontem.
Não pude ir pois estava em uma outra audiência, de um PDE de outra cidade…
Estou vendo coisas muito boas sendo ditas. Bem importantes. E também boas respostas.
No entanto, há dois modos de analisar a questão.
(Como digo, sempre há duas maneiras e, se há duas, então são três, no mínimo)
Um modo é admitindo como válido e “correto” o partido adotado, o modelo de Plano e, portanto, de cidade que se pretende perpetuar e sobre a qual se está repactuando. Um modelo que leva, necessariamente, a uma política de repressão, contenção e simples redução de danos.
Hoje, a grande conquista, a grande evolução neste tema está na explicitude da correlação de forças que produz cidade e, principalmente, na explicitude da desigualdade que a caracteriza.
Outra grande conquista é a possibilidade de voz para agentes produtores da cidade que são completamente minoritários nesta correlação de forças, mas se alicerçam e se escudam em sua legitimidade, ainda incipiente, capacidade de mobilização.
O segundo modo é entender que a questão central não está no plano, mas está no partido de projeto, no modelo de cidade que se pretende e sobre o qual se deseja construir o pacto, se deseja pactuar.
Para isso, há que se consolidar uma nova correlação de forças mas, antes de tudo, há que se explicitar qual é o modelo alternativo de cidade, desde seus conceitos fundamentais até os instrumentos de gestão e governança, visto que São Paulo trabalha e se implanta sobre o mesmo modelo, com rigor e eficácia, há noventa anos, quase um século.
Claro, tudo isso passando pela definição de diretrizes claras de superação do monstruoso passivo e da perversa e desumana desigualdade produzidas pelo ocaso do modelo vigente, que se tornou um cadáver insepulto.
Além do adiamento na revisão, que não controlou danos, os potencializou, este tem sido o ponto frágil até aqui: o não reconhecimento e a não explicitação desta dicotomia.
E, certamente, a indicação, com toda clareza, de que nesta nossa cidade nem um, nem outro caminho são possíveis em sua totalidade.
Na melhor das hipóteses, seria o terceiro caminho, o que buscaria agir de forma holística e humanista sobre a cidade, ao invés de insistir em enxugar gelo em tentativas quixotescas de controlar um único agente, o mercado imobiliário.
E, neste caminho, da construção da cidade para as gentes, levar em conta sua multiplidade e sua diversidade.
Levar em conta a cidade existente visível e consolidada, a dita ‘de bem’ (objeto do plano atual), a cidade invisibilizada, ignorada, a cidade real (a soma das duas anteriores) e a(s) cidade(s) desejada(s).
Este é o caminho da sustentabilidade, econômica, social, ambiental.
Porem, este, o cincoentenário zoneamento não deixa, e não vai deixar tão cedo.
Ademais disso, é controlar os danos, assumir o plano para a cidade intra muros, digo, entre rios e se preparar para discutir, em 2029 o plano (de) novo.
Sigamos!!

Valter Caldana

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E DAÍ ERA NECESSARIO DEU NO QUE DEU

A legenda da foto é em si uma afirmação, que traz uma pergunta.
“Ele e o Mendes Caldeira foram destruídos para a construção da Estação Sé.”
Ao que alguns podem retrucar… e daí?
Outros podem responder… era necessário.
E alguns podem apontar… então, deu no que deu!
O calçadão de São Paulo não é um prédio, não é um edifício, não é um palacete, tampouco um palácio. Ele é cidade. É tudo isso e mais um pouco. Não é de um, não é de alguns, não é de poucos. Sequer é de muitos. É de todos, como a cidade sempre é.
Demoli-lo, à mão, aos pouquinhos, pedra por pedra (simbolica e literalmente) como a prefeitura começou a fazer ontem, daqui algum tempo vai gerar as mesmas fotos, as mesmas reações, os mesmos comentários…
E daí? Era necessário. Deu no que deu.

Valter Caldana

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