Para os prefeitos de São Paulo, dar um pitaco na Paulista tem o mesmo efeito que construir museus para os presidentes da França. É uma espécie de passaporte para a História. O problema é que a História é um museu bem grande, que tem várias galerias…
Espero que esta ciclovia na Paulista não seja para o prefeito Haddad o que foram os túneis da Rebouças e da 9 de julho/Cidade Jardim para a Marta.
Assim como naquele caso ficou difícil explicar para o paulistano qual o sentido de fazer túneis apertados e desconfortáveis numa avenida de 50m de largura e não na avenida de 100m de largura que o próprio túnel atravessa, creio que vai ser difícil explicar neste caso por que fazer uma ciclovia complexa na Paulista e não duas mais simples no binário Santos+Cubatão | São Carlos do Pinhal+Antônio Carlos.
Do mesmo modo que para justificar a construção dos túneis na Rebouças e na 9 de Julho/Cidade Jardim e não na Faria Lima (muito mais larga e onde estes claramente ficariam melhores e incomodariam menos) existe um rosário de explicações técnicas mais ou menos convincentes, para a implantação da ciclovia no canteiro central da Paulista também haverá de existir.
Mas o fato é que, aos olhos do cidadão, não bastam explicações técnicas convincentes se estas não se mostrarem coerentes com o bom senso comum. No caso dos túneis e da taxa do lixo para a Marta e da reforma das marginais para o Serra, todos já vimos o que isso significa na imagem de um político em São Paulo.
Mexer na Paulista, interditar pistas durantes seis meses (só?, será?), desfazer obras recém inauguradas como o sistema de iluminação, pintar o chão de vermelho, colocar gradinhas de proteção e tirar o canteiro do pedestre para entregá-lo aos ciclistas me parece um movimento desnecessário neste momento. Sobretudo quando existem outras soluções tão eficientes quanto, como as já citadas ciclovias indo pelas duas paralelas à avenida ou mesmo, em último caso, a implantação na faixa de rolagem da esquerda, no asfalto.
Explicando: o projeto apresentado promete alargar o canteiro central sem diminuir as faixas de rolagem. Bem, se não houver a diminuição da largura das calçadas (o que infelizmente foi feito na Av. Faria Lima), isto só será possível se houver a diminuição da largura das faixas (já que área, desafortunadamente, não dá cria nem nasce de geração espontânea). E, em havendo a diminuição da largura das faixas, então é possível colocar a ciclofaixa na avenida e não no canteiro…
Bem, o fato é que a Paulista não é a Eliseu de Almeida e seu canteiro não apresenta nem a largura e nem as mesmas urbanísticas e paisagísticas, como a presença de vegetação rasteira e arborização, que o canteiro da Faria Lima.
Implantar esta ciclovia no canteiro central da Paulista não é, a meu ver, uma ação ousada ou radical de grande valor estratégico, como deve estar sendo justificada ao prefeito. Mais se parece, como tive a oportunidade de dizer numa entrevista recente [ouça aqui], com uma ação simbólica de quem toma posse ou, indo mais além, reafirma autoridade. Ou seja, apenas provoca.
Ou então esta operação deve ser assumida como o que é: mais um projeto de reurbanização da avenida, no bojo do qual se contempla, desta vez, o modal bicicleta. Mas, neste caso, trata-se de um projeto incompleto pois a prioridade deveria ser dar mais segurança e conforto ao pedestre. Aliás, registre-se, esta inversão de prioridade já se fez sentir em diversos outros pontos da cidade, em especial na rótula central como na ruas Boa Vista e Libero Badaró.
A preocupação aqui é que, ao mexer na Paulista, o prefeito não esteja travando mais uma salutar batalha em sua épica luta contra o rodoviarismo, a carrodependência e a hegemonia do automóvel na cidade, mas sim apenas comprando uma briga desnecessária com aqueles paulistanos que têm na avenida Paulista seu símbolo máximo, sua identidade, o registro de nossa capacidade civil e empreendedora. Ou seja, todos.
Valter Caldana
para conhecer o projeto, clique aqui