Perguntado se a nova Lei de Zoneamento era boa respondi: não.
Mas, insistiu o interlocutor, ela trouxe avanços? Sim, respondi.
Esta é, talvez, a décima vez que se revisa a poderosa Lei de Zoneamento da cidade, braço operacional do Plano Diretor. Destaque-se que temos a mesma Lei de Zoneamento em São Paulo desde 1972.
Esta Lei foi elaborada em complementação ao PDDI – Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, de 1971, que substituiu o natimorto PUB-Plano Urbanístico Básico encomendado por Faria Lima e que já em 1968 ensaiava a alteração da matriz radio concêntrica de Prestes Maia, que já mostrava todas as suas contradições.
Ao reafirmar a matriz do início do século XX e seu modelo de ocupação do território, se basear em usos lote a lote, definir zonas estanques de baixa densidade e desestimular o uso misto dos lotes nas áreas centrais e consolidadas – uma tradição da cidade até então – provocou um acelerado processo de encarecimento da terra e espraiamento da mancha urbana, que se torna definitivamente dependente do transporte sobre pneus e nos cobra hoje preço elevadíssimo. Não se pode esquecer que nas áreas centrais a Lei baixou o coeficiente de aproveitamento real que chegava a 16, 18 e às vezes 20 para algo entre 6 a 8 vezes a área do terreno.
Duas crises do petróleo depois, já na década de 1980 Mario Covas e Jorge Wilheim tentam alterar este quadro com o Plano 1985/2000 mas, estando a sociedade mais ocupada com a tarefa de reconstruir o Estado Democrático, a preocupação com o modelo de expansão da cidade ficou para segundo plano, fazendo com que alterações importantes nesta matriz, que deveriam ter sido iniciadas então, como em outras tantas cidades do mundo, não fossem implementadas. A consequência disto, hoje sabemos, foi deixar que um modelo que dava mostras visíveis de estar exaurido entrasse em colapso.
O atual plano diretor tenta reverter este quadro resgatando elementos da cidade pré 1971 e a Lei de Zoneamento, seu braço operacional, se esforça, nesta revisão, em acompanhar esta tentativa. Ainda que numa estrutura antiga, teimando em ser mais coercitiva que indutiva, com zonas demais e muito extensa, ela incorpora novos instrumentos e abre espaço para que questões importantes sejam contempladas.
Ter uma Lei antiga deveria ser uma vantagem, e é. Mas isso se mostra problemático quando muitas vezes suas revisões são feitas pontualmente ao sabor de interesses e articulações momentâneas.
Este é, talvez, o maior mérito desta versão: conseguiu fugir desta armadilha e foi feita através de um processo participativo que se não foi ideal em número foi importante o suficiente para se tornar perene. Foi longamente discutida e votada em horário comercial, apesar do acolhimento de emendas de última hora, o que ofusca o brilho do processo e abre portas para mal entendidos ou subentendidos, sempre perniciosos.
A Lei operacionaliza pontos do Plano Diretor como a zona rural, incentivo a construções sustentáveis, valorização de áreas privadas de uso público e a associação entre densidade e infraestrutura, e isso significa avanço. Reconhece parcelas importantes da cidade real e isso também significa avanço. Tenta superar contradições e desequilíbrios dos processos de fiscalização e licenciamento. Mais avanços ainda.
Por isso a Lei possível traz um saldo positivo. Tem o mérito de confirmar elementos estruturais do PDE e provocar segmentos importantes como os movimentos sociais, o mercado imobiliário e outros a repensarem seus próprios conceitos e a construírem um novo posicionamento.
Não obstante, muitos gostariam, inclusive eu, de ver avanços mais significativos, estruturais. Uma Lei nova, mais adequada aos novos tempos, mais flexível, mais ágil, menos impositiva, mais indutiva. Mas não foi assim. Esta foi a Lei possível, fruto de um processo negociado que reflete o atual estágio de desenvolvimento e profundidade da discussão sobre a cidade por seus agentes produtores, que ainda é pequeno diante da magnitude de suas responsabilidades.
Se, de um lado as concessões feitas no processo ajudam a não espantar parcela da sociedade acostumada a uma zona de conforto que acabou, se é que existiu e esta ainda não percebeu, por outro, ao manter boa dose de respeito às diretrizes do Plano Diretor não afugenta uma significativa parcela da sociedade que recém descobriu a cidade como protagonista em suas vidas e hoje luta por reconquistá-la, para construir a cidade contemporânea, justa e bela que desejamos.
Talvez seja este, então, seu grande mérito. Nos alertar a todos que temos que continuar o processo, avançar e muito, e exigir o início da elaboração dos Planos de Bairro, dos Projetos Locais, que trarão Plano Diretor e Lei de Zoneamento para a escala humana, nos possibilitando construir uma cidade que seja, daqui para frente, muito melhor.
Valter Caldana