As marginais e seus equívocos.

Para que qualquer discussão sobre as marginais seja produtiva é imprescindível que se perceba que não se trata de um problema viário, mas antes uma questão de urbanismo.

Além de todos os problemas que já vem sendo apontados por especialistas através da imprensa sobre o plano de aumento das velocidades nas marginais, o “marginal segura”, com suas misturas de conceitos e princípios projetuais, é preciso acrescentar uma questão importante: discutir as marginais só pela equação [velocidade + fluidez + segurança] é mais um grande equívoco, talvez o maior de todos. Trata-se de equívoco já cometido fortemente na gestão Serra na prefeitura e no governo do estado e, ainda que menos intensamente, também na gestão Haddad.

Infelizmente, a nova gestão que se inicia está perdendo a chance de superar este equívoco histórico e se diferenciar positivamente do passado recente em virtude de um arroubo de campanha do prefeito eleito. Um arroubo que nos dá a indicação de que o mesmo está discutindo a cidade a partir de uma matriz pouco ambiciosa do ponto de vista urbanístico, o que é grave para o momento histórico que vivem a capital e sua região metropolitana.

É imprescindível que se perceba que o problema das marginais é metropolitano, é econômico, é ambiental, é cultural, é histórico e, por isso, é urbanístico, não é viário! Trata-se de um problema que está associado ao planejamento e execução do rodoanel, do ferro anel e do hidro anel, projetos e obras de médio e longo prazo que devem ser grafados como projetos de Estado e não de governos. E, a partir disso, as intervenções devem ser projetadas e não simplesmente implantadas.

Considerado isto, é urgente que se considere no curto e curtíssimo prazos – uma gestão, quatro anos – que a pista local das marginais sejam transformadas em avenidas urbanas e suas margens, milionárias do ponto de vista do valor da terra e do potencial construtivo, sejam ocupadas com usos humanos economicamente mais eficientes e produtivos,, ou seja, usos mistos – comércio, serviços e habitação – e não apenas os atuais usos rodoviários.

É imprescindível que a cidade e seus gestores atentem para o potencial construtivo e, portanto, de negócios, de aquecimento da economia, de arrecadação de impostos, de criação de empregos, que a região possui. Um potencial tão grande que a conta é fácil de ser feita e seu resultado teria tantos zeros que mal caberiam neste texto. por este motivo, por exemplo, que o município não pode abrir mão da propriedade das áreas do Anhembi/Sambódromo e seu entorno dos dois lados do rio e deve brigar como um cão feroz pelas áreas do Campo de Marte a que tem direito.

Privatizar os negócios e atividades que lá funcionam, ação correta em princípio, não deve se confundir com a alienação das áreas, patrimônio valiosíssimo como se pode depreender pela simples observação de sua posição estratégica na Região Metropolitana de São Paulo. Trata-se de área equivalente a dois Ibirapuera, pronta para ser bem utilizada nos próximos trinta anos.

Indo além, discutir hoje as marginais significa admitir que os rios devam ser reaproveitados para transporte, recreação e estruturação paisagística da metrópole e suas transposições (pontes e viadutos) devam ser projetadas como elementos urbanos de uso misto: pedestres + bicicletas + transporte público + transporte de cargas + automóveis e não apenas estas pontes mono modais de hoje, algumas delas inclusive sem sequer calçadas para pedestres.

Estas transposições devem necessariamente dar acesso às margens dos rios, que devem ser utilizáveis pela população e onde deve ser implantado um sistema de transporte ponta a ponta sobre trilhos que seja integrador das linhas de ônibus/corredores (além da CPTM) que a cruzam, com estações intermodais e de serviços.

E, sim, a pista expressa pode e deve ser usada como expressa… Neste caso, como provocação, que se pense então em ali liberar a velocidade, cobrar pedágio e, por que não, em tempos privatistas, cobrar o socorro quando o cidadão arrebentar a SUV ou a Brasília amarela andando a velocidades incompatíveis com suas habilidades de motorista. Por fim, como tivemos oportunidade de propor ainda em 1999, as marginais devem ser consideradas uma unidade administrativa autônoma, uma agência de desenvolvimento ou mesmo uma subprefeitura ou prefeitura regional, como propõe o novo prefeito.

Para quem leu até aqui e pensou: mais um arquiteto e urbanista sonhador e inconsequente (ou algo mais clemente… agradeço) lembro que quase tudo o que está descrito neste texto daria para ter sido feito com o que ali se gastou nos últimos dez anos. Afinal, naquele local árido, inóspito, subutilizado e  amedrontador se gastou no período a bagatela de quase R$9.000.000.000,00 nove bilhões de reais corrigidos ao dólar de hoje, sem contar o que foi gasto com rebaixamento da calha, impermeabilização das margens e outros custos.

Sempre é importante lembrar que estamos discutindo hoje (ou desde que foi elaborado pela prefeitura o plano SP2040 na gestão Kassab) o que será desta cidade nos próximos 50 a 80 anos…

Precisamos, portanto, mirarmos naqueles que construíram nosso presente nas décadas de 1930, 1940 e 1950 do século passado, sessenta, oitenta anos atrás. Coragem, visão de futuro e empreendedorismo. Acolhimento, liberdade de ação, multiplicidade racial e cultural, convivência entre os povos…

Isto é São Paulo! Não vamos inventar a roda, vamos aprender com os erros e os acertos do passado. É urgente.

Valter Caldana
Professor e Coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do Conselho Municipal e Política Urbana.

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