.
Richard Florida lançou recentemente um novo livro,
The New Urban Crisis: How Our Cities Are Increasing Inequality, Deepening Segregation, and Failing the Middle Class—and What We Can Do About It.
Já pelo título o livro é inquietante, ‘A nova crise urbana’. O que de nova tem esta crise?
E continua: Como nossas cidades estão intensificando a desigualdade, aprofundando a segregação e destruindo a classe média, e o que podemos fazer sobre isso?
De imediato me ocorre que, talvez, não se trate de uma nova crise urbana mas, sim, de um novo olhar sobre ela. Ou, ainda mais especificamente, do olhar sobre a cidade de um segmento da sociedade, a própria classe média a que se refere o título, que nunca houve. Um olhar que só se deu, e aí voltamos ao título, por necessidade e não por interesse.
Desde quando a cidade ao longo do século XX paulatinamente deixou de ser palco para se tornar personagem deste grande enredo que é a aventura humana no planeta este fenômeno vem se observando.
Inicialmente, claro, com a elevação do interesse acadêmico sobre o tema, demonstrado pelo aumento significativo das disciplinas que sobre ele passaram a se debruçar. Da filosofia à medicina, passando pela física, matemática, direito, economia, psicologia, biologia, sem falar das mais antigas como geografia e engenharia. A ponto de haver hoje quem defenda ser o urbanismo, em sua multidisciplinaridade, ainda mais ampla que a urbanística, sua técnica e o desenho urbano (urban and landscape design), sua materialização.
Mas é neste início de século XXI, já definido como o século das cidades posto que mais da metade da população se urbaniza, o valor agregado aos produtos se descola definitivamente de seu valor primário, os processos produtivos se globalizam e virtualizam e os serviços passam a ser mais sofisticados e valiosos que os produtos em si mesmos é que se dá o paradoxo gerador desta aparente nova crise.
Tal paradoxo é provocado pela evolução da cidade que deixara de ser palco e passara a ser personagem para a condição de protagonista e, como tal, elemento que deixa de ser palco de negócios para se tornar no negócio em si mesmo.
Trata-se do paradoxo entre a necessidade de morar nas cidades, o desejo de nelas estar e a inviabilização dos modos de vida urbana sedimentados e sacralizados ao longo de 150 anos, desde meados do século XIX, justamente neste momento de sua expansão plena.
Ou seja, o que aparentemente se poderia considerar é que não se trata, então, de uma nova crise que torna a cidade segregadora e desigual mas sim da chegada de um novo olhar, o da classe média que não consegue mais manter seu modo de vida e de consumo habituais, sobre esta cidade cujo modelo de funcionamento e de desenvolvimento, na verdade, sempre foi este. Afinal, temos aí uma nova crise urbana ou a chegada de um novo olhar e um novo agente a se incomodar e se preocupar com a antiga crise urbana? Teria a crise chegado aos lugares centrais e, por isso, se tornado problema real?
Enquanto isso, no Brasil…
Para nós, brasileiros, também causa uma certa inquietude esta descoberta das contradições do modelo de desenvolvimento urbano da cidade capitalista ocidental pós-industrial. Talvez pelo fato de termos atingido índices elevadíssimos de desruralização da população e termos atingido índices de urbanização que o mundo está assistindo só agora há mais de 40 anos, a observação dos efeitos perversos desta urbanização sobre todas as camadas sociais vem sendo sentido, estudado e objeto de ação há um bom tempo.
É interessante notar que já em 1987/1988, fruto de uma intensa discussão que se fazia presente no Brasil desde o final da década de 1970, existe esta convicção, de que política urbana se faz na base, no município, com o cidadão. (E olha que era ditadura ainda…)
Está, inclusive, expressa em nossa Constituição de 1988 fruto de intenso trabalho de Montoro formulando, Covas operacionalizando, Fernando levando louros e Serra resmungando: Política urbana de uso e ocupação do solo é exclusividade do município!! Vitória!!
Não obstante eu ser um municipalista descentralizador de carteirinha, no entanto é preciso analisar esta situação com vagar e rigor pois o que se viu nestes trinta anos, além das vantagens, foram alguns problemas. Por exemplo:
. Boa parte do malogro urbanístico do MCMV se deve ao fato de que ficou sempre nas mãos dos prefeitos e/ou câmaras municipais associados ao mercado local a seleção e destinação de áreas para os empreendimentos…
. A contradição na estrutura fiscal imposta pela mesma Constituição de 88, com a hiper concentração de verbas e recursos nas mãos do governo federal, dilui a real efetividade de qualquer política pública urbana… Não há poder sem dinheiro, não há política pública eficaz sem verba. O resto é marola ou fantasia.
. A formação de um corpo técnico público de alta capacidade, que por aqui o Estado e o Município fizeram tão bem no período de Carvalho Pinto a Mário Covas, e que conta com exemplos importantes no Rio, em BH e em Curitiba, é frágil ou inexistente na enorme maioria dos municípios brasileiros. Isto impede a formulação de políticas urbanas municipais robustas e com certo grau de independência (das mazelas politico-partidárias) e continuidade, dois fatores elementares e essenciais para que funcionem.
Note-se que mesmo na maior capital do Brasil, até hoje, século XXI voando alto, padecemos (e pagamos caro, muito caro) com o problema da descontinuidade, esta amigdalite que acomete os prefeitos, novatos ou não.
Por fim, registre-se que um dos antídotos para esta situação disponível no Estado de São Paulo, o glorioso CEPAM, foi sumariamente fechado para ‘economizar’ dinheiro.
Enquanto isso Richard Florida, que já vou avisando é tido como liberal e não esquerdopata, vem nos ensinar a fazer gestão municipalista e descentralizada.
Eu, de minha parte, torço pelo seu sucesso…
Afinal, se está em inglês e em letra de forma, é verdade!!!
Valter Caldana