Somos melhores! Somos que o quê?

ou como eleições são mais espelho que retrato

Acabo de receber um post no facebook que, quase de joelhos, clama: somos melhores que Bolsonaro!

Isto remete a uma leitura deste segundo turno que precisa ser feita: qual é o seu significado?

Para mim, o seu maior significado é exatamente este, não somos melhores do que Bolonaro. Nossa sociedade é violenta, é autoritária, é patrimonialista, é segregadora, é racista, é individualista, é entreguista, é incapaz de raciocínios complexos. É Bolsonaro.

Se você está se sentindo ofendido, não se sinta. Estou falando da sociedade, não de você. Ou de mim.

Estou falando de uma sociedade que pode escolher entre Álvaro, Amoedo, Meirelles, Alkimin para compor o segundo turno e escolheu Bolsonaro para representá-la.

Por favor, veja bem, tampouco me refiro aos eleitores dele. Me refiro à sociedade como um todo pois quando votamos em um candidato se trata, ali, da individualização de uma escolha coletiva. Afinal, nas democracias eleitorais, são processos coletivos que dão legitimidade aos candidatos e os levam a ocupar aquele posição naquele momento histórico, sendo o voto individual que empresta legitimidade a este processo. Assim, qualquer que seja seu voto ou até mesmo o simples ato de não votar nos coloca solidariamente dentro do sistema.

Estou, outrossim, falando de uma coisa que nossa sociedade também despreza, o sentido de coletivo, o conceito de resultante, o espírito público.

Uma das coisas mais admiráveis nos EUA, a meu ver, bem ao contrário do que ocorre aqui, é que são uma sociedade em que individualmente cada americano apresenta as mesmas fragilidades, às vezes até maiores, que qualquer outro ser humano de qualquer país. Mas, coloque-os juntos… diga a eles que se trata de uma questão nacional (deles), de uma questão de fazer valer os valores coletivos de sua nação… São capazes de pagar uma viagem do homem para a lua sem pestanejar nem ficar reclamando que estão pagando para dois sujeitos passearem enquanto lá ainda há fome e gente sem ter onde morar. Mas, não nos enganemos, são capazes, também, de destruir um país.

Não, não é só nacionalismo. Ao contrário, para orgulho dos liberais, os americanos não são nacionalistas no sentido em que utilizamos a palavra aqui nos trópicos. Para eles, de modo geral, tanto faz quem fabrica, vende e lucra com a mostarda Heinz. Desde que a operação seja feita no estrito interesse do povo norte americano. É por isso, por exemplo, que lá agências reguladoras funcionam e aqui não.

É na falta de espírito público que residem todas as nossas mazelas. Desde os problemas educacionais mais elementares, que provocam a inanição intelectual e crítica que nos assola até a gestão dos recursos públicos de curto prazo e as reservas naturais de longo prazo. Isto se vê nas três esferas de governo.

Ou seja, em que pese os enormes avanços obtidos nos últimos cinquenta anos, enquanto não nos preocuparmos com estas questões dificilmente conseguiremos superar contradições elementares que nos impedem de também superar problemas básicos de sobrevivência de parcela significativa de nossa população.

E, pior, continuaremos à mercê de lideranças populistas, histriônicas e vazias, que são mais espelho do que retrato de nossa sociedade.

Valter Caldana

This entry was posted in cotidiano. Bookmark the permalink.

Deixe uma resposta