O verdadeiro mapa da desigualdade

ou quando a panela apita, a galera vibra e, … bum.

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A importância deste trabalho, o Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, cresce exponencialmente, na mesma proporção da insensibilidade de quem nos tem governado. Os dados são aterrorizadores e as perspectivas de inclusão destas questões vitais na pauta da discussão política e na agenda de ação dos governos são desanimadoras.

Ao analisar as reformas recentes e o pacote de ontem apresentado pelo governo, e olhar os dados do Mapa me ocorre que estamos literalmente perdidos, pois nossos brilhantes analistas e políticos profissionais não conseguem ver o que se passa, ajustar o foco ou, sonho, acertar a mira.

Basta ver o pacote de cortes e maldades apresentado pelo primeiro ministro ontem. Fosse num país sério, numa sociedade engajada com seu próprio futuro, de seus filhos e seus netos e não apenas com seu presente, o governo cairia hoje a tarde.

Nossos brilhantes ficam achando e nos induzem a achar  que estamos num embate entre direita e esquerda… Este embate existe sim, claro, virou combate inclusive, e é saudável e necessário. Mas seu foco está equivocado. É um debate sobre o ‘como’ fazer, quando o impasse existente em nossa sociedade hoje é o “o que” fazer. Não estamos diante de problemas conjunturais mas, sim, estruturais.

E, a questão que todos, direita, esquerda, lideranças políticas não conseguem colocar no centro do debate/embate/combate é que o nosso maior problema está no ringue e não na luta. Está na cidade, o ringue, o espaço, lugar e território da luta, que não só a abriga, mas age sobre ela  com suas injustiças e fragilidades. O problema não está na luta, está na cidade!

Há tempos escrevo que a cidade, maior realização humana, deixou de ser um cenário, passivo palco da vida humana, para se tornar num dos protagonistas do espetáculo. A cidade que era palco de negócios se tornou ‘o’ negócio em si mesma. Insisto também que a cidade não é o idílico palco do encontro humano mas sim o atribulado palco dos conflitos humanos. Por isso ela é genial. O encontro, este é o instrumento da superação do conflito.

Nossas lideranças não conseguem entender que o nosso problema é, portanto, urbano, e que a questão urbana (parafraseando um livro famoso que poucos deles leram) é prioritária!

Somos um país de direita, governado por uma escola ideológico político administrativa com forte viés conservador, corporativista e pré-supostamente liberal.

Uma análise da nossa história um pouco mais longa nos mostra que esta escola, este modo de pensar e agir na administração das coisas públicas e privadas, que esteve no poder a maior parte do tempo desde a proclamação da república, está acostumada a superar os problemas estruturais de forma pragmática, objetiva, em geral por eliminação.

Mais recentemente, na geração que substituiu os administradores (eliminados?) por gestores, isto fica patente no trato das estruturas estratégicas e no patrimônio (público?) do Estado.

Não funciona bem? Elimina. Não está dando a resposta adequada? Fecha, vende, entrega, cede, passa adiante. Resolver o problema, melhorar o desempenho, corrigir distorções? Jamais! Perda de tempo, dinheiro e eficiência. Vamos em frente, eliminando, acelerados.

Mas esta característica, talvez doutrina, que nasceu ainda durante a fase imperial, cresceu na primeira república e se consolidou na ditadura Vargas, arraigando-se no Brasil profundo na última ditadura militar, esteve presente e foi visível ao longo do século XX em vários momentos. Talvez o mais significativo deles, para esta breve e simplista análise, tenha sido a forma como se tratou o problema fundiário e a sobrevivência da população no campo nos anos 1960 e 70.

O problema foi resolvido com a eliminação da população rural. Não, não com um genocídio como houve em outros países do mundo, mas com a simples e eficiente retirada desta variável, a população do campo, da equação do desenvolvimento. A micro e pequena propriedade foi eliminada e a população expulsa do campo.

Ou seja, e quem nasceu ou viveu no interior e tem mais de cinquenta anos vai se lembrar muito bem, a solução dada aos problemas estruturais de sobrevivência da população do campo no Brasil foi sua pura e simples expulsão para as cidades, nos colocando no “urban age” décadas antes do que o resto do mundo, já nos anos 1970, e nos torna hoje detentores de uma das maiores taxas de urbanização do planeta, em níveis superiores a 80%, às vezes beirando os 90%…

Ocorre que é preciso lembrar que da cidade não dá, ainda, para expulsar as pessoas, pois a exploração de planetas habitáveis não teve a velocidade esperada, o mar é bravio e a criação de pequenos paraísos terrestres, sobretudo para os ricos do terceiro mundo, não deu certo (vide Miami) pois sempre haverá a necessidade de pobres por perto para fazer a roda girar…

Então turma, vou falar de um modo bem acadêmico para ver se consigo ser claro: ‘pó pará’ de frescura e firula e vamos começar a entender que o caldeirão já apitou e continua apitando forte. Vazou pressão em 2013 e deu uma acalmada, mas nada aconteceu depois disso ou, pior, o que aconteceu foi mais tentativa de eliminação. Vide, insito, as reformas recentes e o pacote de cortes de ontem.

Não é por nada não, mas olha, a pressão está altíssima de novo e vai explodir em breve.

E não tem para onde levar a panela!

Valter Caldana

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