O cérebro, o dedo e o gatilho


ou o papel e os direitos de cada um

Os atuais mandatários do país nunca terão a capacidade de compreender as sutilezas jurídicas e a extensão, inclusive ética e moral, do AI-5.

Para eles basta a compreensão de que o ato autorizava dar porrada, prender e arrebentar.

Por isso, o AI-5 deles é esta proposta 007+, que na prática concede mais do que licença para matar para a tropa. Ela é a resposta à observação do general “precisa ver como vai fazer isso”. A resposta está dada, general. É assim que vai fazer. Com um projeto de Lei do Perdão Preventivo, que autoriza o uso da força ilimitada pela tropa. Que perdoa excessos antes mesmo que eles ocorram.

Aliás, o mesmo general, na ocasião da intervenção militar no RJ em 2018 já havia recitado a essência desta proposta em entrevista ao vivo na Globo News…

Só que tem uma armadilha aí… uma pegadinha. Uma sutileza jurídica. Que não é filigrana.

O AI-5 original retirava direitos da vítima, mas não aumentava direitos do carrasco. Nem da tropa, nem dos agentes civis responsáveis pelas ações de repressão política. Por um motivo simples, a ordem interna, a hierarquia, a decisão e o comando não podem ser pulverizados. Nunca.

Aliás, foi o fato de que não se aumentou o poder do carrasco que gerou a necessidade de uma anistia de duas mãos. E foi a compreensão de que no campo da repressão se estava cumprindo ordens superiores que a embasou.

Este AI-5 contemporâneo, que por falta de conhecimento ou capacidade se atém às questões de repressão violenta (o que é condizente com o atual perfil e gosto da sociedade que dá sustentação ao governo), uma vez aprovado, poderá se tornar um pesadelo para o comando. Transferirá, definitivamente, a decisão pela morte para o carrasco, para o dedo que aperta o gatilho. Que, então, também selecionará, ou não, o alvo.

E, assim sendo, nem sempre o comando terá o controle dos acordos feitos na base, no alto do morro, embaixo do viaduto, no escuro da quebrada. Ou mesmo nos grandes salões dos palácios.

O problema desta Lei do Perdão Preventivo, como diria Pedro Aleixo¹ cinquenta e um anos depois, é que o guarda da esquina chegou ao poder.

____________
¹ No momento da edição do Ato Institucional nº5, em 13 de dezembro de 1968, o então vice-presidente se opôs e declarou: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”.

Valter Caldana

This entry was posted in cotidiano. Bookmark the permalink.

Deixe uma resposta