Perdemos Luiz Telles.
Um arquiteto de mão cheia, um agitador, um ser humano especial.
Daquelas pessoa iluminadas, cientes de si, de seus desejos e de suas possibilidades, passou a vida indo adiante, superando barreiras, preconceitos, dificuldades.
Escolheu para isso os caminhos do ofício. Desenhando, projetando, cantando, discursando, provocando. E como provocava.
Mas escolheu, também, o caminho do diálogo e da generosidade, do respeito pelo outro.
Telles gostava de gente, e por onde passava isso ficava claro. Por isso, por onde passava havia sempre tanta gente, gente disposta a ouvi-lo, a aprender com ele. Gente com quem, ele dizia, aprendia sempre, cada vez mais.
Num determinado momento da vida, já consagrado por projetos como o Centro Cultural São Paulo, resolveu fazer mestrado. Mal sabia ele que o destino o chamava para uma segunda fase em sua carreira brilhante.
Presenciei o dia em que aceitou o convite/desafio para ser professor no Mackenzie, a faculdade em que se formara e tinha tantos amigos.
Chegou assim de mansinho, e logo descobriu aqui uma nova face para sua atuação. Se animou, fez doutorado, se dedicou ao ensino e à faculdade de corpo e alma. Descobriu o prazer da cátedra, da pesquisa, o prazer de estar com os jovens todo o tempo, remoçando. Fechou o escritório e virou professor em tempo integral.
Assim é o Telles, intenso.
Conviver com ele foi um privilégio. Sobretudo ter tido a oportunidade de ter feito com ele alguns projetos de grande significado para a escola, como a reforma da sede.
Mas prazer mesmo eu tive por ter podido contar para ele uma pequena história: moleque de rua do interior, recém chegado a São Paulo, descobrindo tantas coisas, confundindo cabresto com estirante, um dos lugares que mais me fascinavam por aqui era o Mercado de Pinheiros, onde eu ia acompanhado por meus pais. Um mundo à parte, uma nave espacial, um prazer especial.
Quando lá, eu empurrava o carrinho de compras e descia as rampas helicoidais como um foguete, como se fosse a Lotus de Emerson Fittipaldi, e meu pai me repreendia. Eu, então, respondia: “_ Mas pai, tem um cano lá que é feito para bater o carrinho… Por isso é que pode! A gente bate no cano, não na parede. Vem ver!” E lá ia eu de novo rampa abaixo, mostrando aquele achado, demonstrando a pertinência e a funcionalidade daquele cano, desfrutando por alguns segundos de uma liberdade indescritível…
Ali, naquele espaço cheio de cores, cheiros, em que se podia entrar às vezes por cima, outras vezes por baixo, com rampas e escadas curvas, monta-carga do tamanho do mundo, iluminação zenital e aves vivas em plena capital eu, hoje sei, comecei a me encantar por arquitetura.
Muito tempo depois eu soube que aquele espaço é de muito boa arquitetura porque usa os materiais corretamente e com dignidade, tem uma estrutura arrojada, uma funcionalidade impecável, uma proporção áurea, uma inserção urbana precisa e uma beleza surpreendente, como nos ensina Oscar Niemeyer.
E tem também detalhes sedutores, pormenores, como a guia para que os carrinhos não batam no concreto aparente. Uma espécie de roda carrinho onde se esperaria um rodapé, pura invenção.
Pois bem, acho que ali nascia um arquiteto, que 25 anos depois teve o prazer de se tornar amigo e a honra de dar aulas ao lado do criador daquilo tudo, o Telles.
E que teve o prazer de contar para ele esta historinha tola, num sábado pela manhã, logo depois da última formatura dos alunos que ele tanto amava e que não pode assistir. Mas que sonhou.
Valter Caldana
Walter, que bom ter lido! Que bom ter vivido! Que bom ter escrito!! Amamos o Lú, todos nós o amamos! Tive o privilégio de tê-lo em minha vida desde que nasci. E foi o tempo todo bem isto: a descida do carrinho na rampa!! Uma puta diversão e transgressão luminosa! Bjs querido! (Sou sobrinha do Lú)