SUS, a SÓS

ou a eterna reação de
trucidar o que
não se conhece

A política pública na área da saúde é das que mais diretamente impacta na sobrevivência e na qualidade de vida do cidadão.

A participação da Arquitetura e Urbanismo na sua formulação e implantação é essencial. Localização, acessibilidade, fluxos, dimensionamento, custos, capacidade de atendimento, agilização, segurança dos equipamentos e dos usuários, enfim…

Direito à cidade inclui direito à saúde.

Noto pelas conversas com amigos que pouquíssimos sabem que mesmo pagando as fortunas que pagam por seus planos de saúde, todos eles são absolutamente dependentes do SUS. Isto se aplica, inclusive, aos menores procedimentos.

Observo, também, que não sabem que se não fossem usuários indiretos do sistema os preços de seus planos de saúde seriam ainda mais altos, muito mais altos, condenando-os, certamente, a apelar à fila do atendimento público que, então, já não existiria. O atendimento, não a fila. Esta, por certo, estaria ainda maior.

Por questões profissionais, durante anos convivi neste ambiente e estudei arquitetura hospitalar. Ali pude acompanhar e conhecer a importância do sistema. Desde o instante em que o paciente ou sua família chama uma ambulância num momento de desespero, até a hora em que ele usa um equipamento digital on line baseado em energia nuclear, na outra ponta do momento de desespero.

Ademais, acabo de sair de uma experiência fortíssima ajudando a cuidar de minha mãe, em estágio avançado de suas doenças.

Em que pese seu convênio de primeira linha, eficientíssimo e que propiciou toda a retaguarda hospitalar para garantir cuidados e conforto, nestes anos todos por diversas ocasiões tivemos que recorrer não apenas indiretamente, mas diretamente ao sistema público. E sempre fomos atendidos também com muita eficiência.

Utilizamos desde material de consumo até aparelhos respiratórios caríssimos, passando, claro, por remédios que custariam preços que nossa família não teria como pagar.

Santa fila, onde todos são iguais não perante a Lei, mas perante a dor.

Mesmo no hospital, é importante saber que para além do serviço de hotelaria de primeira linha que é garantido pelo sistema privado, muito do que se tem nos bastidores efetivamente médicos tem a participação do SUS pois, afinal, se trata de um sistema..

Voltando à sua imagem pública, é triste que os assim chamados formadores de opinião formem a sua própria baseados nas abomináveis filas de atendimento nas portas de hospitais públicos que vemos e temos notícias cotidianamente. São perversas, são desumanas e são injustificáveis.

Mas, são explicáveis. Facilmente explicáveis. Se devem essencialmente muito mais a problemas de opção, escolha dos governantes e de gestão específica e pontual do que a problemas estruturais do sistema.

Tenho para mim que se tivéssemos, no Brasil, construído para a educação básica, para a habitação e para o saneamento sistemas à semelhança do SUS, com sua universalidade, complexidade e profundidade, hoje estaríamos colhendo outros frutos, saudáveis, ao invés de assistir a esta tosca tragédia terceiromundista a que nos auto condenamos.

Entretanto, não conseguimos passar do PAC, do MCMV e do FUNDEB, sem os quais estaríamos muito, mas muito pior, mas que são primários diante das qualidades do SUS e insuficientes diante de nossas monstruosas urgências.

Porém, tudo isso é, no fundo no fundo, e não nego, intervencionismo.

O que, num país que se descobriu liberal e numa sociedade que considera que carga horária de 14 horas diárias é sinal de esforço pessoal e que cadáveres insepultos nas calçadas são apenas o testemunho de quão vagabundos e fracassados são aqueles pobres diabos a atrapalhar o passeio, isso tudo que escrevi acima é palavrão.

E politicamente incorreto. Que venha a privatização do sistema.

Como sempre, pelo menos alguém vai ganhar muito, não é mesmo.

Valter Caldana

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