A parte e o todo

Uma resposta (tréplica) exageradamente longa dada em função de um questionamento que fiz por engano em um post sobre mobilidade urbana no Facebook.
O post original que gerou a réplica e esta tréplica é sobre o monotrilho.

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Obrigado por seu comentário.

Me permita esclarecer alguns pontos, até por que percebo que temos uma concordância básica que é um profundo desejo de ver o sistema funcionar e a engenharia (e a AU) nacionais brilharem.

Quando escrevi 12.000.000 de habitantes (acredite, eu havia escrito 20 milhões e recuei) o fiz exatamente por que o nosso sistema e seus operadores, até hoje, não conseguiram, não puderam, não quiseram, enfim, até hoje não temos um sistema metropolitano verdadeiramente integrado. Sequer o sistema tarifário, ou um cartão único que seja. Sei que há impedimentos de várias ordens, inclusive legais. Mas o tempo não para e a necessidade desta integração e da racionalização desta integração já se conta em decênios.

Seja no âmbito metropolitano seja nos municipais da região ou no municipal da capital, a intermodalidade continua sendo mais teórica do que prática. Até mesmo na administração cotidiana dos terminais ditos intermodais há conflitos. Conflitos de várias naturezas. Trem, metrô, ônibus metropolitano, ônibus municipal, vans/lotação/fretados, taxis, úberes e quetais, bicicletas elétricas ou não, patinetes, skates, patins … o que dizer disso? Mesmo nos grandes terminais…

Qual a resposta? Um chamamento para privatizar terminais, perpetuando o atual modelo, e colocando como apelo principal operações imobiliárias sobre e no entorno.

A pergunta é: Como é a vida do usuário que tenta, com afinco e boa vontade, exercitar no seu dia a dia a tão defendida intermodalidade?

Na estação São Paulo Morumbi da linha 4 o sujeito que sai da estação e tenta pegar um Uber ou um taxi tem que passar sobre um gramado, algumas poças d´água, andar no asfalto em meio a carros parados tentando pega seus amigos, filhos ou passageiros e

É lindo o controle operacional da linha 15? E a CCO da Vergueiro então? Um verdadeiro orgulho. Sou da geração que viu, ainda criança e adolescente, aquilo ser projetado, construído e colocado em operação. Nunca subestime o orgulho que um paulistano de meia idade tem do nosso metrô. E de suas conquistas tecnológicas.

Nesta linha de pensamento, é excelente o sistema operacional da 15?
Ótimo.

Mas, e o sistema de informação ao usuário no sistema, então?
O que diríamos dele? Por mais que que eu gaste boa parte de meu tempo a teorizar e hipotetizar, não consigo encontrar uma explicação, no país onde votamos em urnas eletrônicas, fazemos a declaração de imposto de renda em pouco mais de uma hora (assalariados) e temos uma das melhores tecnologias de pagamento no varejo e tecnologias bancárias do mundo, para o fato de que eu não consiga chegar num ponto de ônibus e saber quais as linhas que passam por ali, com o que se integram e a que horas passará o próximo veículo. Não consigo, sequer, saber em que ponto/lugar da cidade/região estou…

Vale lembrar que não fosse o governador Mário Covas, que tanto nos falta, determinar a seu modo um diálogo mais firme entre CPTM e Cia do Metro talvez até hoje o sistema sobre trilhos da região metropolitana e da capital ainda fosse computado em separado, de resto como ainda o é por muitos especialistas, seja no universo público, seja no universo privado.

E o que falar da integração Metrô x Monotrilho x Fura Fila X Ônibus? A quantas anda o diálogo entre o planejamento da Cia, o da CPTM e o da SP Trans?

O que podemos falar, neste aspecto (integração e projeto conjunto) e não nos aspectos políticos, da licitação dos ônibus da capital e a OD? Integração tarifária tem que ser também integração de modelos de sistema, integração territorial, integração de tecnologias e de governança.

Esta falta de um ente metropolitano de planejamento e governança que tenha no saneamento e na mobilidade seus eixos principais de atuação e que tenha voz ativa na formulação de políticas públicas integradas e não fragmentadas como vemos hoje em dia é mortal para qualquer ambição real de melhoria e racionalização do sistema.

E para isso, qual a resposta que obtivemos? Emplasa fechada, acervo técnico do estado esquartejado e a Cia, passando por um processo de privatização implícito, inclusive com transferência de responsabilidades e tecnologia para gerenciadoras que tem presença cada vez maior na construção de decisões.

E a integração com o Plano Metropolitano que estava em andamento quando a Emplasa foi fechada? E a integração do planejamento da Cia. com o Plano Diretor da Capital e dos municípios da região? E a integração com as políticas de uso, ocupação e parcelamento do solo previstas para a capital e região, com adensamento, criação de emprego e renda e recuperação ambiental?

O próprio desenho da linha 15, como disse você – o traçado adotado – além da escolha do sistema tecnológico e da capacidade instalada e oferecida se ressente de todas estas colocações que fiz acima. Assim como se ressentem a linha 4, que nasceu já em plena capacidade máxima pois as demais interligações e capilaridades não estão feitas ainda e o expresso GRU-Airport, atrasado quase 40 anos e que não chega nos terminais principais.

Enfim, acho que me estendi demais mas a síntese do que está escrito acima é. Em mobilidade e transporte, em saneamento e saúde, em habitação e sustentabilidade ambiental, em segurança e qualidade de vida, enfim, em políticas públicas não se pode olhar nenhum aspecto pontual ou fragmentadamente.

E, infelizmente, é o que temos visto há décadas no Brasil. Bons (alguns ótimos) planos setoriais e/ou intervenções pontuais que carecem de consistência quando confrontados com o todo, com uma visão geral e estratégica dos sistemas a que pertencem.

Política pública e seus programas e projetos não podem ser feitas de modo fragmentado. Não se pode olhar o ponto sem olhar o todo pois o número de variáveis a serem contempladas muda radicalmente num caso e n´outro.

Em minha opinião este é um dos maiores, talvez o maior problema do monotrilho. Problema de nascimento, de construção da decisão. Problema de consistência e coerência.

Por fim, quero mais uma vez agradecer seu comentário, que me permitiu, espero fortemente, esclarecer um pouco melhor o que eu disse à respeito e espero que tenha ficado clara minha pequena contribuição cotidiana (ao menos esta é a intenção) na defesa da qualidade do sistema, sua coerência e sua participação na construção de nossa qualidade de vida.

Sou um incansável defensor da intermodalidade, o que inclui o transporte sobre trilho. Quando fui curador da Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2011, expusemos um vagão de VLT de verdade (não era um Mock Up) em pleno Ibirapuera, para as pessoas poderem entrar, sentar, tocar, conhecer…
Expusemos sistemas diversos e exemplos de várias cidades do mundo, inclusive Santos e Manaus…

E, para finalizar, gostaria apenas de finalizar dizendo que me é estranho responder para um coletivo inteiro. Mesmo em minhas aulas, procuro individualizar os contatos com os estudantes para que seja um pouco mais caloroso e humanizado, menos tecnocrático ou impessoal. Mas, entendi que neste caso me competia tentar esclarecer estes pontos.

Ah…
E devo desculpas pois, no açodamento, neste caso meu (!!!) de responder ao Alexandre A. Moreira, um velho amigo, não percebi, involuntaria mas indevidamente, que eu não estava na TL dele e sim na vossa, do cletivo, o que acabou sendo um pouco invasivo. Me desculpo, realmente, pela netindelicadeza.

Um abraço,

Valter Caldana

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