Pandemia de ensino

El País traz uma entrevista com Andreas Schleicher, principal responsável do relatório PISA da OCDE. Nela ele diz, em outras palavras, que o ensino não poderá ser o mesmo depois da pandemia.

Ótima entrevista.
Comungo com boa parte do que foi dito.

Depois de décadas de vida e experiências variadas creio que a educação em todos os níveis é o único caminho de construção da cidadania plena, fortalecimento e aprimoramento da Democracia, nivelador social e creio que a produção de conhecimento é o único instrumento de libertação.

Porém, o descolamento com nossa realidade, que obviamente não é problema do entrevistado nem de suas respostas é gritante e precisa ser levado em consideração na leitura.

Aqui no Brasil, em São Paulo, se está confundindo desde a primeira hora o prosaico uso de ferramentas digitais de comunicação e apoio ao ensino com EAD, como se isso fosse ensino à distância e, numa espécie de revolta da vacina às avessas temos parte da elite do ensino universitário reagindo negativamente ao uso da tecnologia em seu dia a dia de sala de aula…

Mas nem isso é o mais importante.

No país de Anísio, Darcy, Paulo, Rubem, e tanta gente boa nesta área, a questão é bem mais crua e nua: Cadê as escolas? Cadê o ensino fundamental em tempo integral? Cadê a carreira digna de professor primário?

O vírus, vixe, este é grave mesmo!!!
Fiquemos em casa!

A questão é séria sem dúvida.
E terá consequências danosas.

Há muitos anos eu me proponho a dar aulas para os calouros, para os formandos e para os doutorandos. Gosto de fazer isso para poder ter uma visão completa do processo de ensino aprendizagem da escola. Achava importante quando era dirigente e continuo achando agora pois me permite mais consistência na minha atuação.

Também estou acompanhando a situação de perto na Itália, onde também participo de algumas atividades e estamos justamente fazendo uma disciplina conjunta (que já contava com instrumentos de comunicação digital).

E, por isso mesmo, posso assinar embaixo boa parte do que foi dito na entrevista. Teremos que fazer me um ano o que não foi feito em pelo menos quinze anos neste assunto. E fazer assim, de chofre, é sempre um problema.

Para piorar, a reação de boa parte de nossos colegas das universidade públicas é de se lamentar pois é uma posição frágil do ponto de vista estratégico que abre espaço justamente para o que acreditam estar combatendo.

No entanto, confesso que o que me desespera neste momento e a posição da matéria e do jornal reforça este meu temor, é que as principais mazelas de nossos sistema de ensino, que se iniciam no ensino básico, na raiz, no chão da cidade e do campo, vão ser de novo ofuscados pela emergência do ensino já consolidado (e cheio de problemas, ok, mas consolidado).

Não se aproveitará um micra sequer da crise para torná-la oportunidade, como muitos autores de auto-ajuda gostam de falar.
Isto significa que se tratará, de novo, como sempre, do sintoma e a doença continuará descontrolada.

Educação básica é prioridade zero no Brasil e nos países pobres.
Todo o resto, todo o resto vem depois.

Valter Caldana

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