Por que não, por que sim.

Acabei de ler o artigo de um mestre e amigo defendendo a não participação na revisão do Plano Diretor de São Paulo este ano e, por se tratar de um artigo muito completo e contundente, arrisquei uma resposta…

Caro, acabei de ler seu artigo sobre a revisão do Plano.
Está ótimo! Não há o que tirar!
Mas, se não há o que tirar, me permito “por”.
Ouso acrescentar duas coisas.

A primeira é que, em minha opinião, a altura dos prédios nos bairros consolidados de classe média média e alta não é e nem deve ser a prioridade da discussão do plano. Esta pauta não á a pauta da cidade. Esta é a pauta de setores que continuam enxergando a cidade em que vivem, não a cidade como um todo, real. Inclusive, infelizmente, muitos amigos nossos. Se o predinho na Matheus Grou vai ter 12, 18 ou 25 andares é importante? Claro que é!! Mas é o ponto central para a cidade neste momento histórico? Não creio.

A outra coisa que eu “poria” em evidência é a necessidade de priorização da inclusão de instrumentos que viabilizem não apenas combater a desigualdade, mas estancar a sua produção, que considero ser, esta sim, a questão central nesta revisão.

Assim sendo, para isso é preciso corrigir equívocos cometidos em 2014 e colocar no Plano coisas que nele até estão ditas, mas de forma difusa (às vezes confusa), esmaecida ou genérica. Afinal, há coisas que não basta dizer, como profissão de fé. É preciso indicar quando, onde e como fazer.

Por exemplo, indicar os instrumentos necessários para promover a inversão de prioridades de gestão, investimento e governança. Os instrumentos que permitirão viabilizar a descentralização com o empoderamento das sub prefeituras, regulamentar os processos participativos de construção de decisão e de realização orçamentária (Conselhos Participativos), e os processos colaborativos de desenho e construção da cidade e da urbanidade.

É preciso colocar no texto, entre outras coisas, a obrigatoriedade dos Planos de Bairro, indicando metodologia e prazos de elaboração, como foi feito com os PIUs. Se era possível fazer com os PIUs, por que não com os Planos de Bairro? Esta foi uma imperdoável inversão de valores no plano de 2014…

É necessário, nesta revisão, lutar para garantir um marco regulatório que saia da generalidade e induza, garantindo em Lei (letra morta?) que a infraestrutura física, ambiental e econômica da cidade saia dos guetos de luxo, das gaiolas de ouro, dos enclaves equipados e superequipados e se espalhem pela cidade. Afinal, sabemos bem que uma cidade que não funciona para muitos, para a maioria, é, na verdade, uma cidade que não funciona para ninguém. Cara para quem paga e perversa para quem precisa.

É preciso delimitar e preparar no Plano a revisão do zoneamento, que virá ano que vem e é alvo, ela sim, de grandes interesses econômicos e já é objeto de disputas desde agora. É fundamental tentar garantir a alteração da atual estrutura lote a lote da Lei, anacrônica, micro patrimonialista, que não cabe mais na cidade contemporânea, plural.

Não dá mais para fingir que não se sabe que esta estrutura de zoneamento promove e perpetua a perversa exclusão da maior parte da população de acesso à cidade legal, deixando-a em eterna insegurança jurídica e portanto à mercê de tudo e todos. Por isso é preciso introduzir, incentivar e normatizar a regularização fundiária permanente (também com metodologia e prazos definidos, o que também esqueceram em 2014).

A revisão é necessária porque os instrumentos que estão no Plano e que viabilizariam uma inversão de prioridades na cidade estão mal regulamentados. A prática mostrou que são incompletos e dúbios. Por vezes inaplicáveis. Vide as cotas, vide os Conselhos.

A cota-parte, a de solidariedade, a cota ambiental e, tragédia anunciada, os PIUs, que de tão mal regulamentados no plano hoje são usados como armas mortais, como você bem destaca no texto. De projetos tem pouco, posto que se tornaram planos, outros planos, mais planos, que priorizam a reinterpretação localizada dos parâmetros urbanísticos gerais atendendo a interesses específicos. Deu no que deu, estão todos judicializados.

A não implantação dos corredores é grave? Claro que é.
Mas é menos grave do que a não implantação da descentralização política e econômica da cidade, da valorização dos centros e sub centros. Menos grave do que o não “destravamento” da Zona Leste ou a recuperação da bacia da micro bacia do Tietê na área urbana.

A reafirmação dos corredores pseudo-radio-concêntricos do Plano de Avenidas sem a descentralização e o respeito à poli nucleação histórica da cidade, incentivando emprego e renda e tudo o que vem junto, não passa da reafirmação do movimento pendular segregador que marca São Paulo.

Trata-se de investir pesado, mais uma vez, no desenho Origem-Destino (OD) como base territorial da construção da cidade e não no Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT), que hoje, inclusive, se tornou o Desenvolvimento Orientado pela Mobilidade e pela Acessibilidade, como demonstram as maiores cidades do planeta, grupo do qual São Paulo faz parte, ainda. O fato é que hoje o Plano é DOT na teoria e OD na prática.

Dá para mudar? A revisão é para isso, para complementar as regulamentações que ficaram pela metade. Mas, vai ser mais um momento de tentativa de ampliar ganhos nas áreas já valorizadas da cidade? De diminuir compromissos com interesses coletivos e difusos? Possivelmente vai. Mas, se limita a isso? É possível. Mas, depende de nós, também. Se não estivermos lá, a resposta é sabida. Se estivermos, a resposta será construída.

Percebo que a revisão vai ser feita, de qualquer modo. Alguns setores poderão fazê-la sozinhos, como farão, ou vários outros setores podemos estar lá. No entanto, fica a questão. Esta pauta, esta agenda, estas prioridades serão atendidas, serão hegemônicas? Provavelmente não. A correlação de forças não lhe é favorável. Então vamos perder? De novo? Provavelmente sim.

Afinal, a maior parte da pauta e da agenda que coloquei acima não está incorporada, ‘assumida’ no cotidiano da discussão da cidade pela sociedade. Mas, a evolução e o aprofundamento desta discussão nos últimos 20 anos é inegável e sensível.

Se compararmos a profundidade desta discussão quando Jorge preparou o plano de 2002, quando não se fez a revisão em 2006, quando propusemos o diálogo na nonaBia em 2011, nas jornadas de 2013, na elaboração do Plano em 2014 e hoje, está claríssima a evolução.  Temos que dar mais uns passos. Além do que, esta posição de que a prefeitura não está aberta ao diálogo é parcial, pois o principal do embate não se dá no executivo, sobretudo numa revisão, e sim no legislativo. Portanto, no ano que vem.

Além do que, ganhar ou perder no curto prazo nunca foi impedimento no esforço em deixar claro para a sociedade quais são as possibilidades e instrumentos existentes e a projetar, de modo participativo e colaborativo, democrático e inclusivo, para se fazer uma cidade melhor, mais justa, inclusiva e bela. E respeitosa ao ambiente e ao seu passado.

Abraço!!!

Valter Caldana

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