Ainda sobre os preconceitos, lacunas conceituais, desvios de foco, indefinição de objetivos e, portanto, fragilidade metodológica que se percebem na relação entre a produção de conhecimento (pesquisa), ensino, extensão, assistencialismo e prestação de serviços: o resultado, como sempre acontece onde há ignorância sobre o processo, é ligado à negação e à punição.
Passei três longos anos de minha vida recente, 2021 a 2023, debruçado sobre este tema, na condição de Conselheiro Federal do CAU representante das IES e Coordenador da Comissão de Ensino e Formação.
Lá tive a oportunidade de enfrentar os dois lados da moeda.
De um lado a autoproclamada e autoindulgente autossuficiência da academia, que se coloca numa posição de venerável incompreendida mesmo que ela própria não saiba enfrentar a lacuna conceitual, sua obrigação, e demonstrar a identidade, a pertinência, a consistência e a coerência de suas atividades de aproximação às necessidades reais e de curto prazo, às vezes emergenciais, da sociedade e da realidade que a cerca.
Prova disso é que, em três anos e várias deliberações depois, que afetam, inclusive financeiramente, todos os profissionais atuantes na área, nunca recebi (nem meus colegas de comissão) um único convite para debater o tema em uma Universidade, que se limitam a proclamar que professor não precisa de CAU. Nenhuma, nem mesmo as mais próximas…
Com isso, com este afastamento, as universidades e os cursos conseguem apenas a precarização ainda maior do exercício profissional, abrir espaço para a exploração indevida de professores e estudantes no desempenho de atividades desconexas e mal remuneradas, dar ressonância aos infundados temores de invasão e concorrência desleal oriundos da corporação e do mercado e, pior, ao final, perder um aliado político institucional poderoso, o próprio CAU-BR.
É significativo que em 840 cursos, dos quais 40 em EAD, mais de 200 em SP, este assunto passe ao largo ou se limite a uma discussão sobre carteirinha e anuidade.
Isto mesmo estando diante de uma saudável e crescente atividade na área de extensão, que foi, inclusive, curricularizada por norma federal na graduação e incluída nos objetivos da politica nacional de pós-graduação. Ainda que, insisto, não haja clareza conceitual sobre ela.
De outro lado, temos a corporação e o mercado, que se mantém distantes e ariscos, desconfiados, ainda que percebam a importância desta relação.
Ali a questão da concorrência desleal em preço ainda predomina, agravada pelo exercício ilegal da profissão e pela exploração de mão de obra com formação imprópria e semiqualificada que pode, no limite, expor a risco a própria sociedade, o beneficiário da assistência ou ou o tomador do serviço.
Trata-se de questões pertinentes e objetivas uma vez que por mais legítimos e louváveis que sejam as motivações de várias ações, estas não raro se confundem com assistencialismo ou prestação de serviço, pouco ou nada relacionadas às atividades de pesquisa e produção de conhecimento, ou às ações de treinamento na graduação.
São ações que, carecendo de uma metodologia (regras, parâmetros e procedimentos) clara para seu desenvolvimento e sua inserção no contexto da articulação entre o ensino e a pesquisa, se perdem na sua própria fragilidade e fragmentação.
Extensão não é e não pode ser considerada uma atividade acadêmica menor, assistencial, mercantil ou comercial. É atividade de articulação entre a produção de conhecimento e o ensino. Por isso mesmo é a um só tempo produção de conhecimento e treinamento. É formação.
Formação privilegiada, portanto, pois a partir dela se pode circular da teoria à prática, da pós-graduação à graduação, além do sempre necessário, saudável e prazeroso enfrentamento da realidade e o contato direto, extra muros, com a sociedade. Numa relação dialética e produtiva.
Afinal, a extensão não é um dos pilares do tripé constitucional que define a Universidade e garante sua autonomia à toa, por coincidência ou acaso.
O Constituinte, e entre eles estava ninguém menos do que Florestan Fernandes, ao colocar a Extensão como preceito constitucional em 1988 o fez dando sequência a algo que se iniciou mais de 30 anos antes, no movimento encabeçado por Anísio Teixeira, o grande, e que culminou na criação da própria CAPES e da politica nacional de pós-graduação.
Neste sentido, seria importante que os programas de pós-graduação buscassem conhecer suas origens e seus objetivos estratégicos, expressos em seus Documentos de Área.
Neste quadro, resta o CAU. E o Conselho? E a corporação?
Nesta nossa longa breve passagem por lá muito foi feito, interesses contraditórios e fragilidades foram explicitados e questionados, mas se avançou menos do que gostaríamos, em termos práticos.
Um exemplo disso foi a tentativa de implantação do Registro de Responsabilidade Técnica Acadêmica, criado para o reconhecimento pleno pelo Conselho das atividades docentes e de pesquisa.
Do ponto de vista institucional avançou bem. O ministério da educação achou ótimo, o CNPq se dispôs a interligar o sistema com o Lattes e a reconhecer o RRT Acadêmico como certificado curricular… tudo caminhando.
Porém as Universidades se mantiveram distantes, em especial os programas de pós-graduação, pouco interessadas em apoiar ou cobrar o instrumento e, portanto, a máquina administrativa pouco fez para sua implantação.
De qualquer modo, o normativo está lá, alguém há de colocá-lo em prática. Ou revoga-lo, o que no curto prazo parece ser o mais provável
Como destacado anteriormente, o desinteresse e em alguns casos até mesmo o menosprezo por parte das universidades, em especial na pós-graduação (pesquisa e produção de conhecimento) tanto à organização profissional quanto às atividades de extensão são faces de um mesmo problema, como ficou claro em três seminários nacionais organizados por nossa Comissão de Ensino e Formação no CAU-BR.
Baseados na temática geral de grande explicitude “o CAU-BR quer ouvir você”, contaram com a participação de Renato Janine Ribeiro, Danilo Santos de Miranda, o presidente do Conselho Nacional de Educação L. Roberto Cury, além da participação do CNPq, da Capes, da Seres…
Contaram, ainda, com palestrantes e debatedores oriundos de quase todos os estados brasileiros e de diversos segmentos da sociedade, desde dos movimentos sociais por moradia e pelo direito à cidade até segmentos empresariais e da administração pública passando pela área cultural.
Houve também espaço para a apresentação de experiências acadêmicas no formato de um seminário cientifico.
Não à toa, foi e espaço menos ocupado, confirmando o distanciamento auto imposto das atividades de pesquisa às práticas profissionais e corroborando a percepção da organização profissional de que as mesmas pouco interessam aos profissionais “de mercado” e à própria profissão.
A Extensão é, a Constituição define e a CAPES assume, o instrumento de articulação entre o ensino, a pesquisa e a sociedade. É, portanto, atividade e ação de produção de conhecimento, de crítica, de experimentação e de treinamento.
Que precisa ser melhor definida, modelada, sistematizada e dotada de metodologias explícitas pela própria Universidade, usando sua plena autonomia, também constitucional, em especial pela pós-graduação stricto-sensu, que precisa superar, na prática, sua visão anacrônica de que se tratam de atividades simplesmente assistenciais ou de mera prestação de serviços.
Pois, de outro modo, ao menos na nossa área de Au+D (Arquitetura e Urbanismo + Design) vai se perder pertinência, consistência e coerência, além de uma inesgotável e valiosíssima fonte de dados primários.
Valter Caldana