REFLEXÕES GEOMÉTRICAS

Geometria é um dos campos mais sofisticados da filosofia, que por sua vez é indelevelmente marcada pela ética. Conhecimentos geométricos estão presentes em nossa percepção e em nossa visão de mundo e estão presentes em nosso cotidiano, em nosso comportamento, em nossas tomadas de posição e construção de decisões.
Posso chover no molhado, mas não vou, e enumerar um sem número de situações do cotidiano em que tomamos decisões baseadas em percepção e conhecimentos geométricos.

No entanto, e isto complica um pouco as coisas, parte deste conhecimento inerente à nossa condição é explícito, racional, objetivo, tangível, visível, e parte dele é implícito.
Por aqui, mercê da fluidez e pouca profundidade que se estabeleceu no sistema de ensino fundamental e básico, que praticamente abriu mão da difusão deste conhecimento (filosofia, incluindo ética e geometria) este conhecimento se torna no máximo empírico e completamente implícito, sem qualquer visibilidade ou sedimentação. Isto, quando há.
Vale lembrar que não me refiro, como pode parecer pelo tom do texto, à parcela da população que tem pouco ou nenhum acesso ao sistema educacional público ou privado de qualidade. Se trata de uma situação (como sempre perigosamente) generalizável.
Esta condição de empirismo e ‘implicitude’ faz com que, muitas vezes, se construam raciocínios coletivos baseados em falsas premissas geométricas, havendo uma enorme confusão entre conceitos que acabam levando a grandes equívocos de posicionamento (cartesiano, mais ao nosso gosto, ou não).
Isso se nota no posicionamento político e na escolha de candidaturas. Vejamos, neste caso, o discurso e os desejos incontidos em torno da terceira via. É um festival de confusões geométricas!
A mais simples: se é a terceira, não necessariamente estaria no meio… afinal, a lógica nos leva a acreditar que normalmente o 3 vem depois do 1 e do 2. Mas, sim, isto não é absoluto. Nem axiomático. Afinal, se está falando que se busca uma terceira via e não a via número 3. Portanto, pode ser uma via que esteja entre as outras duas. Talvez no meio delas.
Passada esta primeira confusão, vem a segunda e mais grave, que tem sido explorada de maneira pouco transparente.
Se trata da indução a uma compreensão de que a terceira, admitindo-se que esteja entre a primeira e a segunda, seja no centro. Ou, pior, mais equivocado ainda, seja ‘o’ centro ou seja ‘de’ centro. Aí já é gramática, semântica e linguística, mas continuo na geometria.
O que se tem visto é um enorme esforço, principalmente dos que elegeram o presidente, seu governo e o atual congresso, seja por ação ou omissão, de se convencer de que a terceira via seja o, no e de centro, por estar entre as duas vias colocadas. Talvez no meio, como visto.
Ocorre que o meio não é o centro, principalmente se o universo não for delimitado. E, no nosso caso, a terceira via está muito distante do centro, ainda que possa estar no meio.
Afinal, num universo tolhido como o nosso, que não abrange todo o espectro político (da extrema esquerda à extrema direita) e que se limita ao arco que vai do centro esquerda (social democracia cristã) à extrema direita, o meio, ainda que no meio, não é o centro.
A implicitude geométrica, neste caso, pode nos confundir e criar reflexos bem indesejáveis. Ou, através de reflexões geométricas mais explícitas, pode explicar o ponto (cruzamento entre linhas, retas, caminhos) em que nos encontramos, auxiliando no nosso sistema de posicionamento global (GPS para os íntimos, de voz doce e suave, recalculando rota) ético e político.

Valter Caldana

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