Sobre o Plano Diretor de São Paulo: 1a votação.

O povo passar a noite nas galerias para ter certeza de que não haveria uma votação na madrugada… triste porém verdadeiro.
Parabéns aos vereadores que, por fim, tiveram o bom senso de aprovar a proposta sem emendas.
Que daqui até a segunda votação não haja a descaracterização do plano que, como qualquer plano diretor, é resultante, é o possível.
Ainda que ele tenha perdido algumas chances históricas e recuado em algumas propostas importantíssimas, o saldo é positivo.
O primeiro lamento é que continuamos com um plano grande demais, longo demais, que fala demais. E, assim sendo, permite interpretações demais.
É um plano mais escrito do que desenhado e, já se sabe (lá onde elas funcionam) que cidade não se escreve, cidade se desenha e se constrói…
Por ser grande demais, as diretrizes e os instrumentos que permitirão a transformação da cidade rodoviarista dispersa, cara, injusta e de baixa qualidade para a cidade do cidadão, polinucleada, descentralizada, equilibrada, compacta e multifuncional (como acertadamente prevê o plano) se dispersam e se fragilizam entre regrinhas e joguetes de palavras.
O Plano, vício de um país paradoxalmente autoritário e legiscólatra, ainda legisla demais e avança sobre temas que devem ser definidos em Leis e outros ordenamentos complementares, sobretudo projetos, exatamente para que o plano possa ser objetivo, contundente e compreensível nas suas premissas e na definição de diretrizes.
No entanto, apesar de tão abrangente, é tímido em excesso quando trata da questão metropolitana. São Paulo, como maior condômino desta região tem a obrigação de avançar na criaçào de mecanismos articuladores e otimizadores de recursos na formulação e na implantação de políticas públicas. Vide a questão das tarifas de transporte e a questão da água.
Por outro lado, é grave perdermos a chance histórica de diminuir drasticamente a corrupção e a bandalheira na aprovação de projetos, uma vez que faltou coragem para acabar com o injustificável conceito de área computável, porta escancarada para o malfeito.
É grave perdermos a chance de descentralizar efetivamente a gestão da cidade, dando poder de execução orçamentária para as Sub-Prefeituras, assim como é de se lamentar perdermos a possibilidade da criação de instrumentos efetivos, simples e eficientes de participação real do poder público no complexo jogo de construção de valor e preço da terra urbana, como um banco público de ativos reais, que possa comprar e vender terra e imóveis.
E, a se lamentar, alguns recuos também graves, como por exemplo a anunciada eliminação da fórmula de Adiron, certamente a maior responsável por esta cidade monótona, pouco ou nada criativa e desrespeitosa para com sua geomorfologia (topografia, córregos, áreas verdes), que ficou no discurso inicial do Secretário.
Assim como ficou no discurso inicial o compromisso de que o adensamento dos corredores de transporte de alta e média capacidade só ocorreria após a implantação real dos equipamentos e não antes, criando primeiro o colapso para depois ir atrás da solução, como é nosso hábito. E que este mesmo adensamento seria proporcional à capacidade de carga dos equipamentos instalados, variando no tempo.
É preciso registrar que alguns destes reclamos estariam parcialmente contemplados e diluídos, bem diluídos,  no texto, criando, para um otimista inveterado, a sensação de que haverá a possibilidade de sua implementação em algum momento nos próximos 16 anos… Mas, apesar de otimista e de ainda acreditar em planos, não chego a este ponto.
Mas há pontos positivos.
O primeiro deles, acredito, é o fato de que, se lido e aplicado com rigor na elaboração da legislação complementar (Lei de Zoneamento à frente, Planos de Bairro na sequência), o Plano permitirá à cidade de São Paulo realmente alterar a forma como vem sendo construída.
A inversão do protagonismo do automóvel para o cidadão é explícita e inadiável. Assim como o é o reequilíbrio da ocupação e da distribuição espacial do sistema habitação x serviços/emprego/renda, definidos como diretrizes basilares no novo plano.
Ainda que mantendo um forte viés “transporteiro”, que é aquela visão equivocada de que os fluxos determinam a cidade, o Plano se esforça em fazer também esta inversão, ou seja: fazer uma cidade onde os usos determinam os fluxos, nos libertando da condenação de vivermos dentro de um autódromo, ou de um sistema de auto-estradas, caminhando a esmo como se fôssemos uma multidão sem rumo.
Neste sentido, é importante dar atenção para a a explicitação de que a cidade tem que ser de uso misto, seja do ponto de vista funcional, seja do ponto de vista social e cultural, o que é outro grande avanço.
Deste modo, os incentivos à preservação ambiental e cultural – ZEPAM E ZEPEC – são muito bem vindos, inclusive por que reconhecem, pela primeira vez, que a manutenção e a preservação deste patrimônio por particulares deve ser fortemente cobrada, porém compensada coletivamente. Isto certamente aumentará a eficiência das futuras legislações e ações de preservação ambiental e cultural.
Deve ser louvada também a criação do corredor cultural Luz – Paulista, a o estímulo às fachadas ativas – construções que devem abrigar usos comerciais e de serviços nos térreos, diretrizes que devem devolver vida às ruas, que nos foi roubada no Plano de 1972.
Deve-se registrar, também, o avanço na redefinição das Zonas Especiais de Interesse Social, ZEIS, na implantação da cota de solidariedade (10% da área de grandes empreendimentos destinadas à construção de habitação de interesse social) e a utilização de recursos líquidos do Fundurb para a aquisição de terrenos (uma pálida alusão ao banco de terras e ativos a que me referi acima).
A recriação da zona rural no extremo sul da cidade é outro elemento importante do novo plano. Assim como o reconhecimento e a proposta de ação, que aliás já vem do final do governo Kassab, sobre as áreas de mananciais que se encontram definitivamente comprometidas e com milhões de pessoas morando em condições de total insegurança, seja física, seja patrimonial, seja jurídica. Ou seja, o plano pára de tapar o sol com a peneira nesta questão e faz propostas objetivas de ação.
Por fim, o coeficiente de planejamento, um mecanismo, ainda que incipiente, de incentivo a que as diretrizes do plano sejam cumpridas pelos agentes produtores de cidade.
Enfim, o saldo certamente é positivo. Mas vale ressaltar que esta revisão do chamado Sistema Municipal de Planejamento não se encerra na revisão do Plano Diretor. Ela se inicia.
E, também, é importante ter em mente que a materialização destas diretrizes, assim como o seu reconhecimento pela sociedade, se dá principalmente através dos instrumentos que começarão a ser discutidos e definidos a partir de agora, como a Lei de Zoneamento, que gera efeitos imediatos, os Planos Setoriais, os Planos Regionais e, sobretudo, os Planos de Bairro que por serem os últimos em geral são negligenciados.
Porém é através deles, que deveriam se chamar Projetos de Bairro, que a possibilidade de participação, a percepção de  melhoria da qualidade de vida e o aumento do sentimento de pertencimento à cidade por parte da sociedade se dará.
Muito trabalho pela frente.
Valter Caldana
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