Recentemente, numa entrevista na rádio para o Observatório do Terceiro Setor sobre o Plano Diretor me perguntaram sobre a diretriz para o elevado Costa e Silva. Na ocasião eu disse que “é bom, mas é pouco”.
Uma semana depois, a posição oficial recuando até mesmo daquele pouco veio a público.
Uma pena…
Insisto, a demolição imediata do minhocão é necessária e viável. Já escrevi sobre isso em outras ocasiões. [minhocão: derrubar é preciso]
O surpreendente, no entanto, não é o recuo. O surpreendente é que o recuo vem justificado por uma argumentação rodoviarista.
E, mais uma vez, o argumento da piora do trânsito é parcial e inválido.
Inicialmente é preciso entender que a função atual do minhocão na cidade é muito diferente do seu uso na década de 1970, sobretudo diante das várias possibilidades de rotas alternativas hoje existentes, que não existiam quando o monstrengo foi construído. A ligação leste-oeste hoje se dá de muitas outras maneiras, inclusive de metrô, sistema avenida do emissário e Marginal. Temos no Mackenzie vários projetos que mostram estas alternativas e não caem nos exageros de propor túneis enormes ou o enterramento da linha de trem.
Além disso, o que se propõe aqui é a derrubada do trecho aéreo e a reurbanização do sistema São João / Amaral Gurgel / Duque de Caxias, e não a interdição de toda a ligação leste-oeste.
Outro fator que desmancha a argumentação dos rodoviaristas, que vaticinam o caos no trânsito da cidade com a derrubada do elevado, é o fato de que o aumento de congestionamento de automóveis que sua demolição provocaria não chega a ser, estatisticamente, sequer significativo diante do volume de congestionamentos existentes na cidade nos horários de pico. Basta ver os números.
É preciso lembrar que hoje a cidade tem uma capilaridade muito maior, e um trânsito tão ruim que sua adaptabilidade ao fechamento de qualquer via é, paradoxalmente, rápido e eficiente. Prova disso, por exemplo, foi o fechamento da Rua Pinheiros e arredores por mais de uma ano para a obra da linha 4 do metrô. Causou transtornos, claro, mas a cidade não parou. E os fluxos são comparáveis.
Mas, o que me parece mais grave é ver que a argumentação oficial para a manutenção do minhocão endossa exatamente os argumentos dos críticos do Plano Diretor e dos defensores do modelo rodoviarista de urbanização, que contradizem avanços tão bravamente conquistados sob a batuta do Secretário Fernando e equipe no executivo e do Vereador Nabil e equipe no legislativo.
Vejamos… se não se pode derrubar o minhocão pois isso acarretaria transtornos ao trânsito de automóveis, e se não se pode tocá-lo pois ainda não há uma rede de transporte coletivo de alta e média capacidade para substituí-lo como podemos, então, pintar centenas de quilômetros de faixas de ônibus – inclusive com binário de ida e volta na mesma rua – tornando o trânsito de automóveis claramente mais lento?
E o que dizer das ciclofaixas então? Basta ver a da Libero Badaró, no centro, que estreitou a rua mais importante da rótula e impede a parada de automóveis, inclusive táxis, sem que um centímetro sequer de calçadas fosse ampliado…
Bem, dois pesos e duas medidas não são bons nem do ponto de vista técnico, nem do ponto de vista político.
Mas, por fim, o importante é que a questão realmente nem é esta, o trânsito.
O ponto central é o estrago sistêmico que o Costa e Silva provoca no chão da cidade, do centro da cidade, na vida da cidade, inviabilizando seu uso pleno e sua apropriação pelo cidadão com qualidade funcional e ambiental, seja para os moradores, seja para os usuários permanentes ou temporários, seja para os transeuntes.
Qualquer investimento ou ação de renovação, recuperação, remodelamento, reconversão ou qualquer outro nome que arquitetos e urbanistas encontrem para este tipo de operação que se queira fazer no centro de São Paulo, e bilhões já foram ali investidos, equipamentos construídos, ruas e prédios reformados, esbarra num limite. O minhocão.
E uma cidade sem centro é como um organismo acéfalo, que não consegue articular todas as suas áreas e funções.
A degradação provocada pelo elevado atinge pelo menos 500m de cada um de seus lados. Estamos falando, portanto, de mais de 3.500.000m² de área de cidade. Sem contar as edificações existentes que são subutilizadas, o que pelo menos triplica este número. São 10.000.000 dez milhões de metros quadrados de área a ser melhor utilizada.
Nestas áreas se pode construir uma quantidade enorme de edificações novas, reciclar outras, propor reusos e novos usos… Sem falar dos espaços públicos de qualidade existentes e desperdiçados e outros mais que poderão ser construídos.
O uso misto com ênfase residencial, como propõe o Plano Diretor, poderá se viabilizar com tranquilidade, com a construção de habitações que vão de HIS a padrões médios e médio-altos, que terão a possibilidade, sem ironia, de emergir das sombras e viabilizar a cidade inclusiva que almejamos.
Sim, pois esta ocupação mista e abrangente existe e é um dos aspectos mais interessantes da área.
Espero que daqui para frente quem quiser manter o minhocão, ou protelar sine die sua demolição, diga apenas que demolir é caro.
Enfim, abaixo o minhocão, a cidade para o cidadão.
Valter Caldana