DOT ou DOD

Do desenvolvimento orientado pelo transporte ao desenvolvimento obrigado pela ‘origem-destino’.
A diferença entre ambos é que enquanto um, o desenvolvimento orientado pelo transporte – DOT faz cidade, o outro, o desenvolvimento obrigado pela pesquisa origem-destino – DOD, corre atrás.

Valter Caldana

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Ainda sobre Marte

Um amigo considera que, ao fim e ao cabo, melhor mesmo que o Campo de Marte fique com o governo federal.
É uma visão necessária. Quando ele comentou isso, escrevi algumas considerações para avançarmos na conversa.

Caro,

Interessante e importante este seu texto!
Cheguei a trilhar este caminho inicialmente, inclusive como tentativa de aplacar um pouco a sensação de desesperança gerada em mim por um erro tão primário e estratégico como esta negociação e o que ela significa para o futuro da cidade. Pensei eu – cheguei a escrever – ao menos, que fique tudo como está, menos mal. O futuro – melhor que hoje – dirá o que virá e, lá adiante, quando tiver que recomprar partes da área, não será a primeira vez que a cidade pagará duas ou três vezes para ter o que lhe pertence de direito.

Mas, … oh três letrinhas de esperanças e desesperanças, o Campo de Marte está agora sujeito a dois programas, o de privatização de áreas e imóveis públicos federais e o de aeródromos e aeroportos.

Sem entrar no mérito destes dois programas, pois não é o assunto aqui, o que se passa é que em ambas as possibilidades o destino da área no curto prazo terá enorme impacto sobre São Paulo e a Região Metropolitana, em especial negócios e arrecadação, mobilidade, habitação, saneamento e meio ambiente, sem que o município – agentes públicos e privados – tenha a possibilidade de atuar de maneira coordenada ou agregando valor.

A possibilidade maior, ao que parece, é fazer alterações na rampa de acesso à pista no curtíssimo prazo para já aumentar o gabarito nos cones de aproximação, o que alivia a pressão vinda de uma parcela do mercado imobiliário, e libera a disputa interna federal que haverá em torno do que fazer com a pista. A tendência é simplesmente passá-la nos cobres sem agregação de valor, e vendê-la no atacado (outro erro) como foi muito bem apontado por você, com a gleba na Barra Funda.

A tristeza continua com a constatação de que as três esferas de governo são impenetráveis para a ideia de que terra pública tem valor de face diferente do seu valor estratégico e eles não conseguem enxergar a extensão dos valores agregados a este tipo de patrimônio. E vão dilapidando como quem mata diariamente galinhas dos ovos de ouro, come os ovos que tinha e ainda por cima quebra os dentes.

Desculpe a resposta longa, sobretudo hoje, dia de festa, mas tomei a liberdade.
Aproveito para mandar um beijo para vocês e feliz 2022!!! ”</p

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Geometria no rolete

ou que não entre quem não for geômetra

Não é de hoje que venho dizendo que o Brasil paga caro por conhecer pouco, muito pouco ou quase nada de geometria.

Já há um ano que a turma que elegeu o presidente por ação e/ou omissão está insistindo na história da terceira via. É a sua forma sutil de pedir desculpas pelo que fizeram. É uma espécie de promessa de que não vão cometer o erro de não eleger o Alkimin (vixe, agora complicou), ou o Meirelles, ou o Amoedo e terem preferido explicitamente eleger o presidente e seus valores e promessas.

É interessante ver como neste discurso cenário da terceira via, bastante bem aceito neste grupo de eleitores ativos e passivos do presidente, há um pressuposto subentendido de que esta candidatura seria de centro, o que traz uma certa autoindulgência e uma autoconfirmação do discurso de que ‘na outra eu fui Inganado, pois eu sou de centro e liberal’.

Bem, se fôssemos melhor versados ou letrados em geometria, mesmo a plana euclideana, mais simplesinha, deixemos platonismos de lado, saberíamos que o meio e o centro não são a mesma coisa.

Saberíamos mais. Saberíamos que uma terceira via que se situe entre duas outras não tem absolutamente nenhuma relação nem com o meio, e muito menos com o centro.
Para que se encontre o meio, é preciso definir quais são as pontas. E, depois, para verificar se o meio é o centro, é preciso que se defina o universo (no caso a própria política), o conjunto onde se situam as pontas. Aí daria para verificar se, veja bem, se o meio é no centro…

Aparentemente, smj, terceira via que se desenha vem se firmando como um esforço hercúleo, comovente, porém até o momento (a menos de um ano da eleição) infrutífero da direita e da centro direita encontrarem uma alternativa que, ao menos, cubra com um pano quente (já que fechar não dá mais) a caixa de pandora que abriram sem dó nem piedade ou prudência na última eleição presidencial.

Ou seja, se fôssemos mais equipados em conhecimentos geométricos saberíamos que a terceira via não é de centro, é de direita e liberal. E, mais, saberíamos que isto não seria um problema, certamente, se fosse explicitado e enunciado claramente para a sociedade.

O problema nasce, na verdade continua, quando tenta se mostrar como o que não é. O que, como se vê no Brasil, é fácil e encontra plateia ávida por ser enganada. Mas, se mostra um grande problema logo em seguida. Trata-se aqui de uma equação que já ganhou status de teorema e vem, dramaticamente, se transformando num axioma.

Não obstante, neste contexto, retornando o foco à terceira via e seu geoposicionamento, o resultado disso tudo é que nenhuma candidatura desta via empolgou até agora. Pode até aparecer um ator, apresentador de TV, figura caricata ou coisa parecida que ocupe a vaga e empolgue eleitoralmente, incensado pelo momento, pelos meios de comunicação (que, afinal, são os tambores que difundem estas versões) ou por estruturas perversas de grupos de zapzap ou “fake news”. Mas, parece cada dia mais difícil.

Donde, está me parecendo que esta conversa toda de terceira via esteja se tornando apenas uma etapa de um diagrama de passos, protocolar, a ser cumprida para que estes eleitores do presidente possam declarar a si mesmos e aos seus, em alto e bom sussurro docemente constrangido que “se não tem tu, vai tu mesmo”. Com isso engrossando o caldo da sua reeleição.

Uma etapa importante para que possam jactar-se de seu límpido, profundo e complexo posicionamento, sintetizado na expressão máxima da política urbana nacional, como já se viu outras vezes: “nestes dois aí não voto mesmo!” Axioma que tem como corolário… bem, mmmmm, olhe pela janela (ou pela boca da caverna) e veja em volta de si o corolário. Mas, olhe de olhos abertos.

Ou seja, no Brasil, nestes quatro anos, tudo mudou.
Mas, nada mudou.
A hipotenusa continua sendo menor do que a soma dos catetos, que continuam sendo a preferência nacional. Mesmo que seja no centro do rolete.
Ou, lá mesmo.

Valter Caldana

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Quem paga?

Há um paradoxo seminal na ideologia Liberal de Estado, uma mutação surgida no Brasil em virtude da leitura tosca do Liberalismo Clássico e do Neoliberalismo recente. Paradoxo que é provocado pelo comportamento das corporações que a geraram e a promovem.

Enquanto no Liberalismo os pilares do Capitalismo – produção de conhecimento, inventividade, empreendedorismo, investimento, risco, competição, eficiência e sucesso – são levados à uma alta potência, em especial conhecimento, investimento, risco e sucesso, aqui o liberalismo de Estado só funciona a partir de privilégios corporativos e setoriais bancados pelo Estado com dinheiro público. Em geral com espantosa liquidez e investimentos diretos a fundo perdido, ou sob o manto diáfano das renúncias e anistias fiscais. A modalidade mais sofisticada deste mecanismo tem sido a injeção de capital e o saneamento de empresas e patrimônio públicos pré-venda, que é feita em seguida, não raro com o financiamento também público da operação, realizada na bacia das almas.

Entenda-se por público, aqui, o seu dinheiro, o resultado do seu trabalho. Mas, até aí não há nada de novo no quartel d´Abrantes. Sob nuances e nomenclaturas, isto vem vindo assim desde o Império.

Então, onde está a contradição?

A contradição está no atual discurso desta corrente ideológica hegemônica no Brasil que prega (até aí morreu neves, falar é fácil e rende votos) e agora promove (aí pegou!) o desmonte, a dilapidação e, em alguns casos, a simples destruição do Estado e de seu patrimônio. Do Estado que é, na prática, a fonte de sustentação de toda a operação capitalista brasileira.

Afinal, basta observar empiricamente. Toda vez que alguma empresa de porte, cadeia produtiva ou setor se encalacram por questões conjunturais ou estruturais, por falhas de gestão, porque seu modelo de negócio desanda por falta de investimento de risco ou porque sua eficiência cai a zero por falta de conhecimento prosaico ou de ponta (este cada vez mais comprado do exterior a peso de ouro, digo Dólar a 5,5, digo Euro a quase 7) é a mão amiga do Estado que socorre. Exatamente como manda a cartilha ideológica do liberalismo-estatal.

Porém, destruído o Estado, deixado à míngua, sem patrimônio e sem condições instrumentais de fazer política pública rentável – já não tem telecomunicações e distribuição de energia, em breve deixará de ter geração de energia (Eletrobrás, Petrobras) comunicação física (Correios), instrumentos financeiros (BNDES, BB e Caixa), mineração já foi faz tempo, patrimônio físico edificado está incendiado, à venda ou em petição de miséria e cuja produção de conhecimento vem em franco estrangulamento e deve fenecer completamente em breve, a pergunta é: num modelo que depende do Estado, sem ele (de verdade, não no discurso fácil), de onde vai sair o dinheiro para continuar irrigando as cadeias produtivas e socorrendo-as nos momentos de crise, cada vez mais frequentes?

Por enquanto, ainda vai. Mas, até quando?

Valter Caldana

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Por que não, por que sim.

Acabei de ler o artigo de um mestre e amigo defendendo a não participação na revisão do Plano Diretor de São Paulo este ano e, por se tratar de um artigo muito completo e contundente, arrisquei uma resposta…

Caro, acabei de ler seu artigo sobre a revisão do Plano.
Está ótimo! Não há o que tirar!
Mas, se não há o que tirar, me permito “por”.
Ouso acrescentar duas coisas.

A primeira é que, em minha opinião, a altura dos prédios nos bairros consolidados de classe média média e alta não é e nem deve ser a prioridade da discussão do plano. Esta pauta não á a pauta da cidade. Esta é a pauta de setores que continuam enxergando a cidade em que vivem, não a cidade como um todo, real. Inclusive, infelizmente, muitos amigos nossos. Se o predinho na Matheus Grou vai ter 12, 18 ou 25 andares é importante? Claro que é!! Mas é o ponto central para a cidade neste momento histórico? Não creio.

A outra coisa que eu “poria” em evidência é a necessidade de priorização da inclusão de instrumentos que viabilizem não apenas combater a desigualdade, mas estancar a sua produção, que considero ser, esta sim, a questão central nesta revisão.

Assim sendo, para isso é preciso corrigir equívocos cometidos em 2014 e colocar no Plano coisas que nele até estão ditas, mas de forma difusa (às vezes confusa), esmaecida ou genérica. Afinal, há coisas que não basta dizer, como profissão de fé. É preciso indicar quando, onde e como fazer.

Por exemplo, indicar os instrumentos necessários para promover a inversão de prioridades de gestão, investimento e governança. Os instrumentos que permitirão viabilizar a descentralização com o empoderamento das sub prefeituras, regulamentar os processos participativos de construção de decisão e de realização orçamentária (Conselhos Participativos), e os processos colaborativos de desenho e construção da cidade e da urbanidade.

É preciso colocar no texto, entre outras coisas, a obrigatoriedade dos Planos de Bairro, indicando metodologia e prazos de elaboração, como foi feito com os PIUs. Se era possível fazer com os PIUs, por que não com os Planos de Bairro? Esta foi uma imperdoável inversão de valores no plano de 2014…

É necessário, nesta revisão, lutar para garantir um marco regulatório que saia da generalidade e induza, garantindo em Lei (letra morta?) que a infraestrutura física, ambiental e econômica da cidade saia dos guetos de luxo, das gaiolas de ouro, dos enclaves equipados e superequipados e se espalhem pela cidade. Afinal, sabemos bem que uma cidade que não funciona para muitos, para a maioria, é, na verdade, uma cidade que não funciona para ninguém. Cara para quem paga e perversa para quem precisa.

É preciso delimitar e preparar no Plano a revisão do zoneamento, que virá ano que vem e é alvo, ela sim, de grandes interesses econômicos e já é objeto de disputas desde agora. É fundamental tentar garantir a alteração da atual estrutura lote a lote da Lei, anacrônica, micro patrimonialista, que não cabe mais na cidade contemporânea, plural.

Não dá mais para fingir que não se sabe que esta estrutura de zoneamento promove e perpetua a perversa exclusão da maior parte da população de acesso à cidade legal, deixando-a em eterna insegurança jurídica e portanto à mercê de tudo e todos. Por isso é preciso introduzir, incentivar e normatizar a regularização fundiária permanente (também com metodologia e prazos definidos, o que também esqueceram em 2014).

A revisão é necessária porque os instrumentos que estão no Plano e que viabilizariam uma inversão de prioridades na cidade estão mal regulamentados. A prática mostrou que são incompletos e dúbios. Por vezes inaplicáveis. Vide as cotas, vide os Conselhos.

A cota-parte, a de solidariedade, a cota ambiental e, tragédia anunciada, os PIUs, que de tão mal regulamentados no plano hoje são usados como armas mortais, como você bem destaca no texto. De projetos tem pouco, posto que se tornaram planos, outros planos, mais planos, que priorizam a reinterpretação localizada dos parâmetros urbanísticos gerais atendendo a interesses específicos. Deu no que deu, estão todos judicializados.

A não implantação dos corredores é grave? Claro que é.
Mas é menos grave do que a não implantação da descentralização política e econômica da cidade, da valorização dos centros e sub centros. Menos grave do que o não “destravamento” da Zona Leste ou a recuperação da bacia da micro bacia do Tietê na área urbana.

A reafirmação dos corredores pseudo-radio-concêntricos do Plano de Avenidas sem a descentralização e o respeito à poli nucleação histórica da cidade, incentivando emprego e renda e tudo o que vem junto, não passa da reafirmação do movimento pendular segregador que marca São Paulo.

Trata-se de investir pesado, mais uma vez, no desenho Origem-Destino (OD) como base territorial da construção da cidade e não no Desenvolvimento Orientado pelo Transporte (DOT), que hoje, inclusive, se tornou o Desenvolvimento Orientado pela Mobilidade e pela Acessibilidade, como demonstram as maiores cidades do planeta, grupo do qual São Paulo faz parte, ainda. O fato é que hoje o Plano é DOT na teoria e OD na prática.

Dá para mudar? A revisão é para isso, para complementar as regulamentações que ficaram pela metade. Mas, vai ser mais um momento de tentativa de ampliar ganhos nas áreas já valorizadas da cidade? De diminuir compromissos com interesses coletivos e difusos? Possivelmente vai. Mas, se limita a isso? É possível. Mas, depende de nós, também. Se não estivermos lá, a resposta é sabida. Se estivermos, a resposta será construída.

Percebo que a revisão vai ser feita, de qualquer modo. Alguns setores poderão fazê-la sozinhos, como farão, ou vários outros setores podemos estar lá. No entanto, fica a questão. Esta pauta, esta agenda, estas prioridades serão atendidas, serão hegemônicas? Provavelmente não. A correlação de forças não lhe é favorável. Então vamos perder? De novo? Provavelmente sim.

Afinal, a maior parte da pauta e da agenda que coloquei acima não está incorporada, ‘assumida’ no cotidiano da discussão da cidade pela sociedade. Mas, a evolução e o aprofundamento desta discussão nos últimos 20 anos é inegável e sensível.

Se compararmos a profundidade desta discussão quando Jorge preparou o plano de 2002, quando não se fez a revisão em 2006, quando propusemos o diálogo na nonaBia em 2011, nas jornadas de 2013, na elaboração do Plano em 2014 e hoje, está claríssima a evolução.  Temos que dar mais uns passos. Além do que, esta posição de que a prefeitura não está aberta ao diálogo é parcial, pois o principal do embate não se dá no executivo, sobretudo numa revisão, e sim no legislativo. Portanto, no ano que vem.

Além do que, ganhar ou perder no curto prazo nunca foi impedimento no esforço em deixar claro para a sociedade quais são as possibilidades e instrumentos existentes e a projetar, de modo participativo e colaborativo, democrático e inclusivo, para se fazer uma cidade melhor, mais justa, inclusiva e bela. E respeitosa ao ambiente e ao seu passado.

Abraço!!!

Valter Caldana

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