Missão a Marte

O prefeito Nunes abriu negociação com o governo federal pelo Campo de Marte. Isto é uma espécie de ritual que se estabeleceu no cargo. Todo prefeito de São Paulo tem que fazê-lo. É como molhar a barra da calça (mesmo das prefeitas) e sujar o sapato de lama em dia de enchente ou alagamento em janeiro. Houve uma prefeita que num janeiro estava em Paris, e isto lhe custou muito, muito caro.

Desejo sucesso ao prefeito na negociação, se for para ficar com a área, ao final.
Afinal, a retomada da área pela cidade é inexorável, questão de tempo, mas alguém há de ser o que vai colocar a assinatura no papel.

Mas, por isso mesmo, salta aos olhos o erro grave que é a venda do terreno do complexo Anhembi, ali vizinho, do outro lado da rua. Sobretudo por motivação meramente ideológica, como proposto, reduzida a uma simples operação de compra e venda de terra nua, como já foi feito na Barra Funda e deu no que deu.

Isto por que, ainda mais potente, no dia seguinte à desativação da pista de Marte uma vastíssima área do entorno, a já valorizada porta de entrada da região centro norte da cidade vai assistir a elevação exponencial, hoje quase incomensurável, do valor da terra, incluindo o próprio terreno em questão. Só neste processo, por exemplo, estamos falando de dezenas de bilhões de reais numa operação geral de centenas de bilhões em menos de uma década.

Sendo que, neste momento, para a cidade o seu valor estratégico fará com que seu valor real seja ainda maior pois, pelo seu tamanho, será o instrumento privilegiado na elaboração, projeto e implantação da nova centralidade da cidade no século XXI. Área plena, completa, com todos os recursos naturais, incluindo o Rio Tietê com toda a sua potencialidade desperdiçada e todos os recursos tecnológicos e de infraestrutura. Plana, suave, ampla, com poucas pré existências limitadoras de ação e vastas áreas ainda desocupadas, subutilizadas ou de baixíssima densidade.

Façamos a conta simples, simplista até, de multiplicar por 5% os valores envolvidos na movimentação econômica e financeira só do setor da construção civil, obra pura, para descobrir quanto, ao custo da mera emissão de boletos, a prefeitura poderá arrecadar para a formulação de políticas públicas efetivas para beneficiar toda a cidade.

Não se diga que seja de uma galinha dos ovos de ouro pois, mesmo sendo números e ganhos fabulosos, ali não se trata de uma fábula, uma fantasia. Se trata de terra, o ativo mais seguro e o melhor bem de raiz que a humanidade foi capaz de inventar.

Uma operação desta magnitude, envolvendo milhões de m² de potencial construtivo e bilhões de Reais, se realizada com visão pública na construção da necessária parceria com a sociedade e os investimentos privados, trará ganhos financeiros, econômicos e arrecadatórios ao município a serem confortavelmente calculados e contabilizados, gerando benefícios correlatos para a cidade e toda a região metropolitana.

Se esta negociação, ousada, der certo, então, sem o lastro da dívida com a União (já muito bem renegociada em passado recente) o que se terá é um voo em céu de brigadeiro servindo mamão com açúcar aos passageiros, nós.

Encurtando.
Considerando o complexo Anhembi mais Campo de Marte sem a pista, e incluindo os dois cones de aproximação, existe chão, área, terreno, para fazer pelo menos, mais três cidades.
Se a isso for somada uma política pública que gere um bom projeto, bons programas e um instrumento de gestão ágil e colaborativo e uma legislação inteligente, ou menos anacrônica que a atual, o potencial sobe ainda mais.

Porém hoje, desativado o aeroporto e vendido o Anhembi, sem visão de curto, médio e longo prazos, vai “virar tudo predinho na marginal”.

Que venha o campo, sonhemos com Marte.
A cidade merece. Viva São Paulo, do século XXI.

Valter Caldana

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A flor do pântano

Estado de São Paulo prepara novo
Instituto de Pesquisas Ambientais

Devo dizer, aqui, que em discussões antigas de que participei sobre a formulação das políticas públicas ambientais no estado sempre saltou aos olhos o risco da duplicidade de atuações e dissipação de energia pela existência de várias instituições.

Dissipação que, muitas vezes, se expressava através de algumas idiossincrasias corporativas ou mesmo uma certa ‘estreiteza’ de abordagem determinada pelo escopo das instituições.

Vale lembrar que a própria criação da Secretaria do Meio Ambiente – rebaixada pelo atual governo – foi uma reação a isto, uma tentativa de fortalecer o tema, agilizar a ação e otimizar recursos. Uma iniciativa de sucesso, Jorge Wilheim seu primeiro secretário,
Eu mesmo, nas oportunidades em que trabalhei ou estudei este tema, sempre me perguntei se havia a necessidade de tantas estruturas paralelas e se não haveria um modo de otimizar recursos.

Além disso, o atual subsecretário tem uma vida dedicada ao assunto, à habitação e ao serviço público, além de ser uma das pessoas mais bem preparadas tecnicamente que há por ali.

No entanto, confesso, é impossível não se preocupar com o futuro e o passado destas instituições, que foram fundamentais para SP ser o que é, estar onde está e ir onde precisa, quando a unificação é feita deste modo. (notícia do Jornal da USP)

Vem baseada em mais extinções, desmontes, aposentadorias ‘precoces’, perda de conhecimento acumulado e dispersão de energia. Vejamos o exemplo da Emplasa, CEPAM, CDHU, a perda de identidade técnica do Metrô…

Esta unificação acontece sob uma orientação política que se orgulha de não gostar do Estado, que menospreza a máquina pública (muitas vezes dá mostras de sequer entendê-la do ponto de vista estratégico) e construiu seu discurso, sua hegemonia eleitoral e sua prática político-administrativa desmontando e ‘extinguindo’ estruturas vitais para a formulação de políticas públicas essenciais para SP.

Que entende a privatização, instrumento valioso de gestão, de modo anacrônico, como se fossem operações de compra e venda, em geral em liquidações.
Espero que as aflições aqui expressas sejam passageiras e que a prática, sobretudo graças aos técnicos sobreviventes, seja positiva e resista a esta fase difícil e perigosa.

Não nos esqueçamos, como faz quem desmonta a estrutura de inteligência do estado, que a mais efetiva resposta dada pelos paulistas à ‘derrota’ em 32 foi a criação de uma universidade pública, a formulação de uma política educacional maciça e de um aparato público de inteligência, que construiu a hegemonia de que desfrutamos. O fato é que, neste assunto, o passado recente justifica temores e tremores.

Espero que SP não seja vítima do apagão de conhecimento público que se avizinha, que vai nos colocar no pântano da pobreza, onde nascem raras flores, mas brota abundante a miséria.

Valter Caldana


Em tempo.
A vida continua pregando peças cotidianas no Brasil que desce a ladeira. É significativo que esta notícia venha no momento em que o nosso legislativo federal aprova o fim da necessidade de aprovações públicas para uma série de atividades altamente poluidoras e comprometedoras do equilíbrio ambiental.

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Planejar para que, para quando?

ou a preparação para a era de aquarius

Depois da pérola de que não se planeja durante uma emergência, agora danou-se de vez. Os dois lados entendem e partem do princípio de que fazer a revisão do plano é fazer outro plano.

Bem, …, sendo assim, resta pouco a dizer.

Só continuo achando estranho que a defesa dos princípios técnicos, econômicos, ambientais, sócio-culturais e político-administrativos do plano, que deveria se manter até 2030 e não serem alterados agora, sejam tão facilmente ‘limados’.

Sim, pois, ao admitir que a revisão do plano vai rever os destinos da cidade – objeto de um plano novo – está-se admitindo que o atual plano se encerra em sua revisão.

Em minha opinião, claramente minoritária, a revisão do plano, enquanto tal, seria apenas tópica, de instrumentos. Instrumentos estes que foram colocados dentro do plano (apesar de avisos de que não era uma boa ideia) e, como era de se esperar, lá, foram mal regulamentados.

Mas, instrumentos que são essenciais para que as diretrizes do próprio plano se efetivem e gerem ainda mais efeitos positivos do que já aconteceu… e inibam os efeitos negativos e distorções que já se detectou.

Por exemplo, é fundamental rever os PIUs, de grande potencial transformador, mas cuja utilização foi claramente desvirtuada, invertida, escalas equivocadas… Virou um jeitinho e, portanto, praticamente todos estão judicializados.

É fundamental melhorar o cálculo da cota ambiental, ampliar a abrangência da cota de solidariedade (e aproveitar para mudar este nome preconceituoso – habitação é direito e interessa a todos, não é por solidariedade que ela deve ser política de Estado), ajustar o cálculo da cota-parte e das vagas de carro nos residenciais, fazer, de uma vez por todas, a Lei do Retrofit…

Tudo isso poderia, deveria, ser feito por leis complementares e algumas coisas até mesmo por decreto. No entanto, uma vez no plano, seria mais legítimo, importante, que a determinação da regulamentação saísse da revisão do plano. Claro, óbvio, inquestionavelmente, a partir de processo participativos e, insisto, colaborativos.

Não vai ser assim. Pois o que se pretende, claramente colocado agora mesmo por quem esteve na defesa dos princípios do plano atual, é rever o plano do ponto de vista de sua estrutura conceitual. Ou seja, revoga-se o plano a meio caminho.

Como a especialidade maior do país é perder oportunidades e o esporte predileto é o voo de galinha, não surpreende. Mas, não me venham depois com esta ladainha insuportável de que a cidade cresceu e cresce sem planejamento.

O jeito, pelo visto, é esperar a chegada da era de Aquarius.

Valter Caldana

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O coelho e a bazuca

Parece que o IPHAN, o mais improvável nas três instâncias que cuidam do patrimônio histórico no Brasil, abriu processo de análise de tombamento do Ibirapuera. Em última análise é, sim, um alívio.
Está temporariamente a salvo o que vinha sendo alvo de uma operação voraz e altamente deficitária ao patrimônio público do ponto de vista sistêmico e estratégico.
Mas, é também uma pena!
Uma pena??? Por que?
Por que estes processos são demorados, caros e, no seu ínterim, tudo fica congelado, não respeitosamente tombado. E, sim, isto é péssimo. Se está abatendo um coelho com um tiro de Bazuca.
Ah! Então a movimentação de amplos e diversificados setores da sociedade é culpada pela imobilidade perversa de uma enorme área da cidade (me refiro ao entorno, que também congela, não ao Conjunto em si) que tem alto potencial de investimento privado e, portanto, de geração de benefícios coletivos na economia?
NÃO!!!
Culpado é quem deixou a manutenção e o uso daquele patrimônio público de ALTO valor estratégico e econômico chegar onde chegou por pura incompetência e inação.
É quem, tendo a responsabilidade de governar priorizando o raciocínio e o interesse públicos não o fez quando deveria e, para piorar, propõe como ‘solução’ aos problemas causados um projeto equivocado do começo ao fim, eivado de subreptícias consequências nocivas.
Culpado é quem, ao se comportar deste modo, não deixou alternativa à sociedade senão recorrer a um expediente, o uso emergencial de um instrumento exagerado para o caso, para protegê-lo, liminarmente, de uma tragédia e um dano irreparável.
Foco, é preciso ter foco.
Não dá para não ver um troço deste tamanho.
Não dá para não ver que a sobreposição das metodologias e raciocínios estratégicos públicos por metodologias, modo de pensar e agir privados impressos nos programa de privatização de cunho ideológico está levando a desastres como o Anhembi, Interlagos, CEAGESP, Regional Pinheiros, etc…
Privatizar, conceder, fazer parcerias é necessário, é bom e faz parte da história de nossa cidade e nosso estado.
Mas, parceria publico privado.
Quando é privado privado ou público público, não dá certo.
E agora?
Agora, perdemos todos.
De novo.
Valter Caldana

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Pura Energia

A partida da Carol Pura Energia Triptyque Bueno, jovem e brilhante, é uma pancada muito forte, que abala todos.

Nós, mais velhos, somos agredidos mais uma vez pela lembrança da insignificância e da fragilidade da existência, já tão cantada e decantada pela filosofia, retratada nas artes… Além de despertar aquele sentimento difícil de lidar de impotência diante do definitivo.

Mas, quero aqui lembrar o peso e a força desta perda sobretudo para os mais jovens, menos calejados, pouco ou nada habituados à dor da perda real e definitiva.

Carol é exemplo e motivação de forte presença entre os estudantes de arquitetura há anos, seja pela produção, pela questão de gênero, etária, seja por qual porta se pretenda olhar.

É notória a sua presença, e de seu escritório, no imaginário destes jovens. É a materialização do “é possível”, do “estamos lá”, do “é logo ali”.

Espero fortemente que sua partida seja também uma lição marcante e que a dor da sua perda seja aplacada pela força de sua obra e ofuscada pela luz da sua presença. Não somente, mas sobretudo nas jovens trajetórias de jovens profissionais e estudantes que a tem na mais alta conta.

Parabéns Carol!

Valter Caldana

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