Voltando ao tema da qualidade e dos objetos dos debates.
Enquanto Londres, depois de décadas de despoluição do Tâmisa (que foi muito mais poluído que o Tietê) discute este projeto de ciclovias flutuantes, aqui continuamos brigados e rompidos com os rios urbanos. Fora os visíveis Tamanduateí, e o sistema Pinheiros – Tietê, vale lembrar que temos quase 2.000 km de córregos e cursos d´água na região metropolitana, esta mesma onde falta água…
O vale do Tamanduateí, nestes nossos 40 anos de apagão urbanístico, foi transformado de zona histórica e paisagisticamente privilegiada numa região árida, desértica e congestionada, com a destruição do Parque Dom Pedro, o tamponamento do rio, a construção de uma sistema viário literalmente engarrafado em suas margens e uma ocupação do solo completamente descolada de questões históricas, ambientais e mesmo econômicas. Características estas que fazem com que o resgate das qualidades dos bairros lindeiros apresente um custo tão alto que praticamente o inviabiliza, colocando-os à mercê, com raríssimas e honrosas exceções, das mais atrasadas e desastradas práticas do mercado imobiliário, mesmo diante da importância que possuem e da localização privilegiada que apresentam.
O encontro do Tamanduateí com o Tietê, a esquina mais importante da história do Brasil, uma vez que foi dali que os portugueses viraram á esquerda e inciaram a conquista e a consolidação do território brasileiro com as entradas e bandeiras, nada mais é do que uma grande inexistência, um verdadeiro estorvo submerso num conjunto de vias expressas.
A marginal Tietê, por sua vez, que foi reformada ao custo de 2.000.000.000 (dois bilhões de reais) há menos de dez anos mantém o rio aprisionado, reafirmando equívocos do passado. Ocorre que o primeiro erro pode ser equívoco, o segundo já atende por outros substantivos e adjetivos…
Nesta bilionária reforma não foi construído um único metro linear de qualquer modal alternativo – do chinelo havaiana ao VLT, da calçada arborizada e com espaços públicos resgatando a relação cidade x rio a uma faixa exclusiva, ao menos, para transporte público de média e alta capacidade, com estações intermodais aos moldes da Estação Barra-Funda e do terminal Rodoviário do Tietê.
Isto se falar em projetos de recuperação de mata ciliar, repovoamento de espécies da fauna e da flora, projetos de valorização ambiental e paisagística, sinalização,…, enfim, cidade! A este custo, sim, poderíamos ter construído cidade. Cidade para o século XXI.
A ligação a que me refiro acima, a título de exemplo e registro, poderia ser feita mesmo que fosse por pneus – um simples BRT de verdade, com ônibus articulados e confortáveis – fazendo uma linha interligando estações intermodais tais como:
Jabaquara (pronto) | Congonhas (semi-pronto) | Parque do Povo ou Jockey-Eldorado (a construir, mas com estrutura já existente) | Vila Leopoldina-Lapa (a construir, mas aproveitando estrutura existente) | Barra-Funda (pronto) | Terminal Tietê (pronto) | Corinthians Fazendinha-Aricaduva (a construir) | GRU Airport (que nojo de nome) (pronto, a construir… pode escolher).
Todo este percurso pode ser feito em avenidas de grande porte e grande capacidade, já prontas, sendo que mais de 2/3 no sistema marginais Pinheiros e Tietê e é muito, mas muito mais barato que os 7 bilhões 7.000.000.000 do monotrilho que tem 1/3 da extensão e não funciona.
Enfim, precisamos nos habituar a discutir o todo e não as partes. Temos que assumir que é chegada a hora de repactuar e reequilibrar todas as relações humanas e urbanas que se desenvolvem na cidade. Que é hora de repensar hábitos e costumes no sentido de nos equiparmos e nos municiarmos de instrumentos e argumentos para direcionarmos a enorme energia que produzimos nesta cidade única no sentido da construção de um novo modelo de urbanização e um novo patamar de qualidade de vida.
Projetos e capacitação técnica não faltam, dinheiro tampouco. Falta capacidade e vontade política.
Valter Caldana