De Londres a Guarulhos, de bicicleta, via Jabaquara I

Chega de Londres uma notícia interessante. Discute-se a construção de uma ciclovia dentro do Tâmisa. Aqui esta conversa seria parte de uma risível piada.

A notícia traz em si um grau de sofisticação e complexidade do debate sobre políticas públicas, mobilidade urbana, uso do solo e meio ambiente (entre outros temas) que faz com que nossa paupérrima e binária conversa sobre o tema ciclovias pareça um diálogo entre dois surdos conversando na floresta com o uso de tambores.

Registre-se que nossa conversa cai a estes níveis ridículos não por impertinência, falta de capacidade técnica, falta de senso de oportunidade ou por ser um momento inapropriado. Está neste nível rasteiro simplesmente por que foi despolitizada e partidarizada.

Mais uma pequena prova de nossa imaturidade política e nosso noviciado no trato das questões reais e materiais da cidadania e da apropriação e usufruto da cidade. Mas não importa. Vamos amadurecer, seja a passos de havaianas, de bicicleta, de carro no congestionamento, de ônibus, de BRT, de VLT ou de metrô, mas tenho fé, vamos amadurecer. Já estamos.

Seja como for, um dos problemas do empobrecimento das discussões por aqui é que os episódios e as ações são analisadas como lances de uma partida de futebol, que se encerram neles mesmos como se não fossem todos inter-relacionados.

Ou seja, discutimos as faixas de bicicleta do Prefeito Haddad como se fossem realmente dele ou do partido dele e como se não tivessem nenhuma relação com o colapso do modelo de urbanização dispersa, cara e excludente que mantemos insepulto e, portanto, com todo o sistema de transporte, com o trânsito, com o ambiente, com a mobilidade e com o uso do solo na cidade de São Paulo e na região metropolitana.

É como se todo este conjunto de fatores – variáveis e condicionantes – não fosse diretamente responsável por nossa qualidade de vida e como se alterar drasticamente nosso modelo de urbanização e crescimento não fosse necessário para a sobrevivência da cidade e, por conseguinte, nossa.

Vale lembrar que este quadro é também uma responsabilidade da própria prefeitura que, como eu já disse em outras ocasiões, tem se habituado a comprar a briga certa mas a fazer sua lição de casa pela metade, implementando projetos faltando pedaços importantes e deixando-os, deste modo, à mercê das mais variadas críticas e dos conservadores de plantão, que acabam por se encher de razão e de aliados. [leia aqui]

Esta forma de ação da prefeitura associada a esta maneira fragmentada de perceber, analisar e discutir temas tão importantes por parte da sociedade a tem levado a posicionamentos parciais e por isso equivocados, que acabam por amplificar sua sensação de perda seja de privilégios, na ótica de alguns, seja de direitos duramente conquistados com o suor de seu trabalho, na ótica de outros.

Voltando às ciclovias.

O debate tão intenso sobre o tema, que levou o próprio Ministério Público Estadual a se posicionar (a meu ver) equivocadamente, simplesmente desconsidera outras ações a ele relacionados como, por exemplo, o Plano Diretor, a “Lei de Zoneamento” (LPUOS), o Arco Tietê, que é o primeiro projeto urbano clandestino do mundo, a reforma das marginais e a licitação do sistema de ônibus, entre outros. Isto sem falar de agências de desenvolvimento e planos setoriais e de bairro.

Mais uma vez, se discute o lance, não a partida.

[continua]

Valter Caldana

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