(continuação de abaixo o minhocão, urgente)
Para quem já está imaginando pelo título deste artiguete que o castigo da heroína poderia ser derrubar o minhocão com as próprias e suaves mãos, não é bem isso…
Esta é a terceira de três partes de um artigo maior e aqui o assunto é esta recorrente mania nacional de transformar tudo num Fla-Flu, como já dissemos antes, e as possibilidades de sua superação. No caso do minhocão paulistano, por exemplo, a discussão é empobrecida ao nível do derruba x mantém ao invés de se discutir a cidade como um todo.
A velocidade com que prosperam propostas frágeis e superficiais, que atendem apenas a interesses localizados como a do parque é espantosa. Se esquecem, se deixam de lado inúmeras condicionantes, variáveis e determinantes, para velozmente apresentar uma solução final. Se esquece, invariavelmente, da importância do projeto.
Um bom projeto, com premissas claras e objetivos definidos para resgate da área de influência do minhocão para a cidade poderá até manter trechos intactos, outros trechos com demolições parciais e indicar outros trechos que deverão ser necessariamente demolidos, conforme suas características e outros fatores de influência. E, sobretudo, conforme sua capacidade de atender às premissas e objetivos do projeto.
Já tive o privilégio de fazer e de orientar,na escola, diversos projetos neste sentido. Alguns deles de excelente qualidade, que propunham inclusive o aproveitamento de vários segmentos da estrutura para a instalação de equipamentos de serviços e culturais, tais como museus, escolas, áreas comerciais, etc… Talvez por isso mesmo eu defenda com tanta paixão a necessidade da demolição do Costa.
Ainda recentemente, no contexto do Seminário Ensaios Urbanos promovido pela PMSP, montamos duas equipes, uma para projetos mantendo o elevado e outra para projetos sem o elevado.
Ocorre que, do modo como a discussão vem sendo encaminhada pelos defensores da manutenção do minhocão, inclusive pelos autores dos PLs em tramitação, (10/15 e 22/15) mais uma vez ao misturarmos preto com branco não teremos 50 tons de cinza, mas o bom e velho xadrez que leva ao “Derruba x Mantém”.
Como os projetos dos “Mantém” já vêm prontos, agressivos, fantasiados como uma sereia e configurados num enorme play-ground privatizado, relegando os aspectos públicos do espaço público a um plano totalmente secundário, a disputa rasa se mantém.
Como sair deste enrosco?
Primeiro, há que haver vontade das partes, óbvio. Como o acordo entre os agentes produtores de cidade – econômicos e políticos – parece já estar feito, fica difícil crer numa superação.
Mas como o idealismo é uma traço marcante deste escriba, e a insistência também, vamos lá, a saída é simples: bastaria que os Projetos de Lei apresentados fossem projetos de fato e não a consolidação e a legitimação de acordos já estabelecidos alhures.
Bastaria que estes projetos (que poderia ser um só) definissem que:
- Atendendo ao disposto no Plano Diretor Estratégico, que define a desativação do minhocão enquanto via expressa urbana, fica estabelecido que a mesma ocorrerá gradualmente, se encerrando o processo em dezembro de 2016;
- Durante este período, será elaborado um projeto urbanístico, contratado através de concurso público, contendo as diretrizes para a manutenção, a demolição total ou parcial do elevado;
- Este projeto deverá contemplar premissas e objetivos definidos em consultas públicas a amplos setores da sociedade, especialistas na área e órgãos de governo;
- No segundo ano do processo de desativação do uso viário do minhocão (2016) caberá ao executivo inscrever e à Câmara aprovar no orçamento do município para o ano subsequente (2017) dotação orçamentária necessária para o início das obras, que deverão estar concluídas, no que tange a infra-estrutura urbana e viária, parcelamento do solo, sinalização básica e qualificação de espaços públicos em até quatro anos (2020).
- Caberá ao executivo criar Grupo de Trabalho Inter Secretarial, com representação do Legislativo e da Sociedade Civil, com autonomia e poderes suficientes para coordenar o processo de elaboração de projetos e o acompanhamento das obras, e que responderá por sua qualidade final.
Como se vê, simples. E eficaz, pois organizaria o debate, definindo prazos (os que propus acima, a título de exemplo, são baseados na agenda eleitoral). A alguém interessa? Parece que não.
Ressalte-se aqui que possivelmente um projeto de Lei desta natureza não poderia ter origem no Legislativo (cria despesas para o Executivo), apenas no Executivo. Tenho a impressão que inclusive os que tramitam atualmente, mesmo aprovados pela CCJ, têm esta fragilidade.
Mas, o que importa é que se fosse do interesse do Executivo avançar sobre esta matéria, já deveria tê-lo feito, não estaria imóvel quanto ao tema. Nem se mantendo numa posição olímpica como quem diz, “esta discussão não é para agora, estamos mais preocupados com o Zoneamento e outras coisas”. Até por que, à luz dos retrocessos do zoneamento e da clandestinidade do projeto arco-tietê, não entender a importância estratégica, econômica e social da desativação e demolição do minhocão soa até ingênuo.
Demora mais uma vez o Prefeito que, como no caso do Parque Augusta e tantos outros, sinaliza sua adesão a caminhos que depois não consegue concretizar.
Deixar-se fotografar com a bandeira do parque minhocão e se recusar a receber as associações de moradores e outros interessados na cidade que defendem a demolição do elevado não é um bom caminho para um alcaide comprometido com a mudança do modelo de construção e usufruto da cidade.
E, se é a favor da manutenção do minhocão, tenha coragem, faça-o!
Valter Caldana