Abaixo o minhocão, urgente.

(continuação de abaixo o minhocão, antes que um aventureiro lance mão)

Lamento muito este projeto de Lei que mantém o minhocão, travestido de área de lazer.

Além de votar contra simbolicamente em inócuas consultas via internet, pouco tenho a acrescentar, até por que, confesso, a insistência no erro no Brasil tem se tornado uma doença crônica e cansativa.

Fazer este play-ground é um equívoco tão grande que, temo, nos próximos anos a cidade nos enviará uma fatura ainda maior que a atual.

Este parque é inviável do ponto de vista técnico e orçamentário, por não contribuir um milímetro na melhoria das condições de vida da cidade. Sem contar o fato de que vai degradar-se numa velocidade espantosa, tornando-se certamente a maior praça Roosevelt (a antiga) que se tem notícia, de uma aridez lamentável, uma manutenção absurdamente cara (se houver) e, claro, uma indefectível feirinha de bugigangas, interminável…

É, infelizmente, um erro tão previsível quanto o eram os túneis da Marta e a reforma rodoviarista da marginal do Serra… foi avisado antes, durante e constatado depois… No caso da Marginal nem 5 anos foram necessários para se ver o erro de 2 bilhões: aumento de 80% nos congestionamentos.

Se é verdade que com os erros se aprende, no caso do minhocão o erro é ele mesmo. Portanto, já deveríamos ter aprendido.

A questão não é saber se derruba ou não derruba. Apesar do sucesso do livro, a mistura de branco com preto no Brasil continua dando xadrez e não 50 ou 100 tons de cinza…

Obviamente a solução para um problema complexo não é binária. Fica ou sai, deixa ou tira, reforma ou demole, Ford ou sai de Sinca. Para problemas complexos, que se busquem soluções simples, construídas complexamente. Não soluções complexas construídas de modo simples e, muito menos, soluções simplistas e parciais, construídas sem complexidade alguma, como neste caso. É quase (?) como pintar de verde o asfalto, colocar sanitários químicos e uma placa bem grande: mexa-se, divirta-se, isto é cidade para as pessoas.

Como arquiteto e urbanista gosto de dizer que tudo depende de um bom projeto, que este é sempre o melhor caminho. No caso de projetos na escala da cidade, que sejam simples, porém de construção complexa e participativa.

Devem ser o contrário das soluções de gabinete, as tecnocráticas, que nos oferecem sempre ou projetos complexos, incompreensíveis aos olhos da sociedade, ou projetos simplistas que atropelam a tudo e a todos, em especial a realidade, sem a nada nem ninguém dar atenção.

Mas o fato é que projetos têm premissas, objetivos e desenvolvimento.

A premissa, neste caso é clara: é reverter o estrago sistêmico provocado pelo minhocão na escala local, na escala regional e na escala metropolitana nestes 40 anos de existência. Estrago ambiental, social, econômico, cultural…

Os objetivos também me parecem claros: resgatar a urbanidade e possibilitar o uso e o desfrute pleno e coletivo (cidadão) daquela área e da região central, que é vital como elemento articulador da cidade como um todo.

Dada sua importância estratégica e paradigmática na cidade, também deve fazer parte dos objetivos possibilitar o uso pleno de seu potencial construtivo (são 10.000000 de m² de área a construir/reformar para os mais variados usos e perfis sócio-econômicos), ambiental (são centenas de milhares de m² de áreas livres públicas, além de outras centenas de milhares de áreas privadas de uso público), econômico (área central, fácil acesso, pontos comerciais e de serviços de alta qualidade), além de todo seu potencial cultural. Para isto, basta ver os equipamentos já existentes e desarticulados pela presença do Minhocão. (leia aqui)

Ainda nos objetivos, um programa urbano variado que privilegie os sistemas coletivos de serviços e transportes e a habitação destinada a vários perfis sócio-econômico-culturais.

Aí sim, poderemos ter um bom desenvolvimento do projeto, que ganhará sua real dimensão e importância neste processo. Poderá ser um projeto claro, criativo, de construção complexa como deve ser diante da magnitude do desafio e simples como precisa ser, diante dos benefícios que deve proporcionar.

Definidas premissas e objetivos, aí sim teremos clareza para um concurso (quem sabe internacional) de projetos para a área que o IAB saberá organizar com prazer e competência.

Porém, o que desestimula no debate é ter que ver filminho mostrando o parque apenas do nível pista para cima (criando a ilusão de ótica de que aquela é a cidade a se conquistar) e que sequer mostra onde estarão descendo os tubos de drenagem das floreiras e quem sabe os canos de esgoto dos possíveis banheiros e cozinhas espalhados pelos 3 quilômetros do minhocão…

Que mostra floreiras e palmeiras e decks mas não mostra a cidade, seu chão, que é onde está hoje o problema. Como disse o José Armênio, presidente do IAB/SP, “de nada adiantaria enfeitá-lo, para disfarçar o estrago que fez com a cidade”.

(continua)

Valter Caldana

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