Revolução energética: revolução do morar e das cidades

Recentemente escrevi, a propósito da importância crescente que, finalmente, a energia solar vem adquirindo como fonte real, e não alternativa, de energia que em dez anos teríamos uma nova configuração na rede de distribuição e que a partir da autonomia de produção e consumo residencial vivenciaríamos grandes transformações nos usos e costumes do morar e na configuração paisagística e morfológica das cidades.

Errei! Parece que vai ser muito antes.

A Tesla, do sul-africano Elon Musk acaba de lança bateria solar de longa duração a preço compatível com o consumo humano. Primeiro passo para o lançamento de uma bateria de longa duração com preço compatível com a Humanidade… [leia aqui]

Trata-se da revolução energética, comparável à Revolução Industrial e à Revolução das Comunicações. Nada será como antes, amanhã…

A ideia de que cada casa, cada edifício de apartamentos ou de escritórios possa ter sua conta de luz zerada e, além disso, se tornar um fornecedor de energia limpa para o vizinho que tem mais consumo do que área escancara possibilidades até agora pouco exploradas, ainda que já imaginadas por muitos pesquisadores.

Do ponto de vista urbanístico, por exemplo, significa, de imediato, a abolição de toda, eu disse toda! a fiação que hoje nos agride cotidianamente.

Eletropaulo, que fez corpo mole e indicou preços e tecnologias absurdas para o enterramento da fiação perdeu a vez… não só não precisa mais fazer o serviço como em breve vai ser obrigada a retirar todos os seus fios, sem receber um tostão! Isto, claro, se ela ainda existir… Não me espantaria se ela resolver começar o serviço agora, correndo, com um grande desconto e a preços módicos.

Vale lembrar que o seu diretor que vem se recusando a viabilizar o enterramento dos fios entrará para a História no mesmo hall da fama onde se encontram aquele famoso diretor de estúdio de Hollywood que recusou “E o vento levou”, aquele diretor da IBM que recusou o projeto do PC – computador pessoal e o da Phillips, que disse que ninguém se interessaria pelo videocassete.

A fiação, se houver, será pequena e existirá unicamente para carregar a energia excedente que você produziu na sua casa ou no seu prédio para a rede, pelo que você até poderá ser razoavelmente remunerado, no mínimo com uma belíssima baixa no valor do seu condomínio…

Assim, a produção e a distribuição de energia elétrica “pesada”, que serão por um bom tempo ainda necessárias para os grandes consumidores, se tornarão ainda mais importantes do ponto de vista estratégico, de soberania, econômico, tecnológico, ambiental  e de desenho do território… O que dizer, por exemplo, de Belo Monte neste contexto?

Esta energia gerada em grande volume se destinará essencialmente para equipamentos de grande porte, como metrô e outros sistemas de transporte coletivo (uma cidade inteira de trams, tróleibus e mini vans elétricas) ou equipamentos de primeira necessidade e grande consumo como hospitais, escolas, museus, presídios, etc…

Sendo que, mesmo estes, utilizarão técnicas mistas para diminuir o impacto da energia sobre suas contas e poderão, inclusive, ser consumidores privilegiados do excedente gerado em residência e prédios residenciais e comerciais de seu entorno.

Imagina que simpático as escolas públicas ou o posto de saúde do bairro sendo abastecidos de energia pelos moradores das imediações, pelos pais das crianças que ali estudam. Perceba-se aí uma revolução, inclusive comportamental e ética…

Parece sonho, mas não é. O edifício Mackenzie Século XXI, que projetamos recentemente e tem certificação Aqua, tem consumo de energia elétrica tendendo a zero. Com a evolução da tecnologia poderá vir a ser produtor, quem sabe.

No entanto, a maior de todas as revoluções virá no morar…

Uma casa ser autônoma do ponto de vista energético (ou até produtora, como já vimos) e utilizando uma energia limpa e inesgotável – até por que quando sua fonte acabar o mundo acaba junto – é algo que desde a caverna se sonha, mas nunca se conseguiu chegar perto.

O mais perto disso que chegamos foi a situação atual, onde a casa é “plugada”, com fios, a uma rede de distribuição e abastecimento…

Note-se que, mesmo nas casas mais modernas, usamos comumente dois tipos de fonte de energia: a elétrica e o gás, seja ele natural, via rede, ou via entrega motorizada e sonorizada (ouça aqui).

Em alguns poucos casos usamos três fontes, com o uso rudimentar (e agora eficiente) da energia solar para aquecimento de água, o que custou décadas de trabalho, estudo, pesquisa e investimento a valorosos pioneiros. Gente como o Prof. Décio (de ótica) físico e engenheiro que instalou placas de energia solar nos vestiários do Bandeirantes em 1974 (!!!), motivo pelo qual nos três anos de colegial ninguém que quisesse um banho morno usava aqueles vestiários! Só saía água gelada… Sem estas figuras, a quem devemos tanto, talvez nem estivéssemos aqui…

A questão energética é tão fundamental (ainda que pouco visível) que há estudos interessantíssimos que mostram a influência do botijão de gás e seu serviço de entrega motorizado no crescimento horizontal e amorfo (e não caótico!) do tecido urbano no século passado, tornando-os um instrumento vital para o modelo de expansão urbana dispersa (e rodoviarista) tão precisamente implementado.

Isto por que ao conseguir ter o gás na porta, a casa (a família, o cidadão) passou a contar com ao menos uma fonte de energia, que lhe garante luz à noite, água quente (ou quase) para o banho e fogo para o preparo de alimentos.

Pois bem, além de abolir definitivamente o uso de gás, a conta de energia zero associada à conectividade e novos materiais fará da casa, em pouco mais de 20 anos (será que vou errar novamente? vou!), um artefato totalmente diferente do que conhecemos, estudamos, projetamos nos últimos 2000 anos…

No século XXI o que temos é a casa como extensão da cidade e não mais o contrário – a cidade como extensão da casa – que foi a síntese do pensamento urbanístico do final do século XIX ao início do século XXI, percorrendo todo o século XX.

Graças à conectividade, um elevado grau de sofisticação nos processos de produção e de prestação de serviços e novos materiais e técnicas construtivas, o cidadão passa a morar na cidade, estando exposto a maior parte de seu tempo. Assunto zero na nova LPUOS, de que me ocuparei em outro artigo…

Arremato, temporariamente, com um trecho de entrevista de Castells:

“Existem sete bilhões de números de telefones celulares no mundo e 50% da população adulta do planeta tem um smartphone. O percentual será de 75% em 2020. Consequentemente, a rede é uma realidade generalizada para a vida cotidiana, as empresas, o trabalho, a cultura, a política e os meios de comunicação. Entramos plenamente numa sociedade digital (não o futuro, mas o presente) e teremos que reexaminar tudo o que sabíamos sobre a sociedade industrial, porque estamos em outro contexto.”

O duro vai ser ver gente de bem dizendo que tudo isso é bom para Suécia, Noruega e Dinamarca, (onde é noite metade do tempo), e que para nós só vai servir para encarecer a obra e a “conta não fechar”…

A conta não fecha? Pois é! Não vai mais fechar! Então é chegada a hora de mudar a conta!

Valter Caldana

Em tempo, ao pesquisar na internet para fazer este artigo, me deparei com a notícia da finalização do projeto da usina de energia eólica sem as pás assassinas. São como um poste bem alto, um gigantesco circulador de ar vertical coreano…

P&D, a gente não vê por aqui…

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