O dilema de uma política pública.

A Folha traz editorial sobre o curriculum mínimo nacional, na área de HIstória. (veja aqui)

De antemão reconheço que entendo menos de educação primária do que universitária, mas enfrento cotidianamente seus efeitos. Por isso ouso, a título de provocação aos educadores da lista, dizer que nosso problema não está no curriculum mínimo (nacional ou não). Diante do quadro, trata-se de discussão de urgência discutível.

Ainda que fosse imprescindível este documento – o curriculum mínimo – neste momento, ele só teria sentido se estivesse embasado numa análise das condições reais do nosso ensino e onde estão seus gargalos.

Quem sabe, então, não fosse mais prático pegar qualquer dos currículos dos tempos em que a escola pública formava com grande qualidade seus poucos alunos. reimplantá-lo e partir para o ataque às questões centrais, estruturais da educação no Brasil.

Não vou lembrar aqui que eu e meus amiguinhos alfabetizados pela Caminho Suave, quando alunos de segundo e terceiro ano primário do SESI, ainda que no 071-Sumaré e não em uma escola longínqua de periferia, aprendíamos quais eram as vacinas obrigatórias, para que serviam, quais eram os símbolos nacionais e qual seu significado na construção da cidadania. Aprendíamos de que lado da calçada andar e por que a solidariedade entre as pessoas é tão importante.

Tampouco vou ficar aqui falando que líamos Leo Huberman na oitava série do Fernão Dias, onde tínhamos aula de História da Arte, da Grécia ao Renascimento, passando pelas grandes descobertas, além de aulas de música, francês e noções de economia doméstica. É verdade que Já tinham subtraído o latim e a filosofia.

Por estes e outros tantos motivos, no país de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira discutir curriculum talvez seja menos importante. Vamos beber na fonte.

Talvez a grande questão seja reconhecer que ao enfrentar prioritariamente o problema da quantidade, do contingente de crianças e jovens atendidos, a política pública em décadas não deu conta de promover o avanço concomitante da qualidade. E, ainda por cima, não resolveu o problema da quantidade.

Ao contrário, caiu na esparrela, mais uma vez, de que a emergência e a urgência justificam uma certa dose de licenciosidade com relação à qualidade. Note-se que o mesmo se deu em outras políticas, nos três níveis de governo, pelo mesmo motivo. Isto ocorre há anos.

Há uma certa dificuldade do gestor público no Brasil entender que de pouco adianta a definição de metas quantitativas se as mesmas não forem acompanhadas de metas qualitativas e se as mesmas não forem relacionadas com outros aspectos da gestão pública, formulando políticas transversais, mais eficientes, mais econômicas e mais baratas, e não políticas verticais, isoladas em si mesmas, que tendem a ser incompletas, ineficientes e custosas (em todos os aspectos) e caras.

Vide a recente medida desastrada do governo do estado quanto à “racionalização” do uso dos edifícios escolares… Afinal, como se pode falar em escolas ociosas num estado onde a educação de período integral ainda não está implantada?

A verdadeira questão, portanto, é de formação, não é de ensino, não é de curriculum.

Qual a qualidade dos espaços escolares? Qual a real condição de trabalho de estudantes e professores? Quais as metodologias de ensino empregadas? Quais as políticas de valorização efetiva do corpo docente? Qual a ligação da política educacional com a política nacional de ciência e tecnologia, de direitos humanos e combate à violência, à criminalidade e às drogas? Com as políticas de desenvolvimento urbano, mobilidade, saneamento e saúde?

Qual o papel da formação educacional de nossas crianças na construção da cidadania?

Quem e como será qualificado para desenvolver esta tarefa na ponta, em sala de aula?

Em tempos de Papa Francisco – que não é franciscano, é jesuíta – nunca é demais lembrar que desde os primórdios da Cia. de Jesus se sabe que a verdadeira transformação, a verdadeira revolução, só se faz através da educação, de base.

Ah! E, sim, acho necessária a federalização da educação básica no Brasil.

Valter Caldana

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