Inundou de novo.
Chegamos à estação do ano em que chuvas rápidas e carros lentos os males de São Paulo são. Vejamos esta matéria do G1, com foto do Estadão, de 21/12. (leia aqui)
Qual a relação desta imagem com o Zoneamento da cidade?
Toda. Sim, pois inundações, trânsito, déficit habitacional, transporte ruim, apagões, enfim, todos os males urbanos são frutos de uma semente: o parcelamento, o uso e a ocupação do solo urbano.
A incompetência administrativa, a ganância dos setores hegemônicos de plantão, a sede de poder e a vileza de boa parte dos agentes políticos, a corrupção pública e privada, a insensatez são apenas adubo, esterco que faz crescer as distorções estruturais a que somos submetidos no uso da cidade que moramos, que amamos.
Portanto, que aprendamos todos que esta imagem, captada em plena Vila Madalena e não num rincão desservido da cidade excludente, é uma mera ilustração do que temos falado aqui sobre a manutenção de um zoneamento arcaico e sobre termos perdido uma bela oportunidade de rever a conceituação, as prioridades, a estrutura desta Lei tão importante, o instrumento mais visível e operacional de todo o marco regulatório do planejamento e da organização do desenvolvimento (?) da cidade.
Creio que ninguém mais discute que o que temos hoje em São Paulo é a resultante de um modelo de desenvolvimento e urbanização minuciosamente planejado, mas que entrou em colapso. Modelo este que se implanta a partir da segunda década do século passado, é confirmado nos anos 1940/50 e recebe sua legitimação jurídica e bases legais na década de 1970 do século passado, justamente através da Lei de Zoneamento de 1972, que mais uma vez está sendo perpetuado em sua essência.
De nada adianta fazer um Plano Diretor avançado se a Lei de Zoneamento, seu mais respeitado e conhecido braço operacional, é arcaica e empalidecedora dos avanços conquistados.
O problema disso é que a manutenção deste modelo de Lei arcaico, invasivo, punitivo, incompleto, questões elementares da qualidade de vida urbana ficam de fora.
Este modelo, que só consegue enxergar a cidade lote a lote pois os entende como célula mater da cidade e sua unidade básica de valor está ultrapassado e seus resultados são distorcidos. No século XXI o valor não está mais no lote, ele está na própria cidade, no conjunto. Está muito mais no “onde” e no “como” do que no “o quê”. Neste século nós passamos, definitivamente, a morar nas cidades, não mais em nossas casas, cujo papel mudou completamente nos últimos 30 anos.
Ao se preocupar apenas com o que acontece dentro do lote e não com o que ocorre com os vizinhos e a cidade depois que o mesmo for ocupado, ou ainda apenas com o valor da terra em função da infra-estrutura, da localização do lote e de seu potencial construtivo o legislador está deixando de lado uma possível estruturação da Lei que seja baseada em novos critérios e novos instrumentos.
Já se perdeu a hora, em São Paulo, de superar o apagão urbanístico a que a cidade está submetida e de se fazer um esforço coletivo – executivo, legislativo, agentes produtores da cidade, mercado, movimentos, intelectuais, todos enfim – para produzir uma legislação contemporânea, que dê conta dos problemas atuais e dê indicações de enfrentamento dos problemas futuros.
Um legislação que seja, portanto, baseada em novos critérios como padrões de incomodidade, volumetrias, impacto ambiental, história, cultura, economia local, ambiência geomorfológica, cultural e, claro, econômica da área, bairro ou região, e que, acima de tudo, seja indutora, produtiva, educadora e que encare a cidade como um conjunto de singularidades interdependentes e não como uma colcha de retalhos ou a somatória de interesses individuais, sejam estes de pessoas, grupos ou corporações, sejam públicos ou privados.
Caso contrário, o que se tem é isso: a cidade reagindo.
E a cidade reage proporcionalmente aos estímulos que recebe ou às agressões que sofre.
É preciso entender, de uma vez por todas, que a Lei de Zoneamento não é uma imaterialidade teórica, é um fato concreto, basta ver a foto novamente.
Valter Caldana