Uma resposta a um amigo provocador: impeachment não!

Caríssimo Eduardo. Antes de mais nada, um pedido de desculpas pela demora em responder. Tive uma semana mais corrida que a da Dilma…
Quero te agradecer a tenção e a consideração com que lê meus posts. Fico feliz e honrado pois sou um amante inveterado do debate, como você bem sabe.
Mas vamos ao assunto. Você me escreveu:

“Meio estranho isso. Sujiro mais clareza na sua posição Valtão!”

Sempre achei que estivesse sendo claro, mas em respeito à sua leitura atenta e sua provocação acima, vou tentar ser mais…

Vamos ao ponto: Sou visceralmente contra o impeachment!

E, sim, entendo que, portanto, o governo tem que chegar até o fim de seu mandato, 31/12/2018.

Entendo, também, que a crise política, que retro alimenta a já suficientemente grave crise econômica, tem que ser resolvida por quem a criou. O povo deu seu recado nas urnas, a eleição empatou. Cabe aos políticos profissionais, a partir daí, resolver o problema no ringue, não fora dele.

Mas vou em frente. Não considero o impeachment um golpe. Um golpe seria episódico, talvez até reversível… Um tropeço ou um soluço em nossa História.

O impeachment, para mim, é doloroso pois é um retrocesso.
É o símbolo de um enorme e retumbante fracasso de toda uma geração, a nossa, que soube reorganizar o país, fazê-lo dar saltos enormes de 1985 a 2015, mas que está prestes a morrer na praia por se ter descuidado e deixado crescer um câncer que ali estava todo o tempo… A combinação da imoralidade com a falta de espírito público. E que, no momento em que tem a melhor chance (ainda que não a primeira) de extirpá-lo, opta pelo caminho mais fácil, que desmerece nossas lutas, nosso esforço e mostra sua verdadeira face.

Derrubar a presidente igualará o Brasil ao que de pior temos no mundo hoje e nos fará voltar no tempo, na ordem geral das coisas, não apenas os últimos 30 anos mas pelo menos 60. E sabe por que? Por que o Brasil está brincando (e isso já basta, mesmo que o impeachment não ocorra) com uma cláusula pétrea da Democracia mundial… o respeito ao resultado de uma eleição.

Nos fará retroceder – acho mesmo que o episódio em si já fez – porque o Brasil está mostrando ao mundo que continua se dispondo a abrir mão e a arranhar princípios elementares de direito para resolver uma questão política e econômica conjuntural (pois crises, no capitalismo, o são). Está mostrando ao mundo que não tem estrutura ética, jurídica, política e social para suportar um embate político acompanhado de uma crise econômica. Está mostrando ao mundo, enfim, que ainda vale por aqui a doutrina da “circunstância exige”.

Enfim, está mostrando seu verdadeiro caráter, que prefere abrir mão de princípios elementares a ir realmente a fundo na reconstrução de suas estruturas podres, carcomidas, cancerosas, que nos destroem por dentro.

Ou seja, está mostrando ao mundo que foi cedo demais para a sala de jantar… temos que voltar para a cozinha, e olhe lá!

Isto não por que o Brasil tem bandidos no parlamento e no executivo, mas por que ao ter a chance, mais uma vez, de eliminá-los, toma outro caminho. O caminho mais suave, a solução de curto prazo, a solução perfunctória, a ação circunstancial.

Mais grave, neste caso, toma esta decisão conscientemente. O Brasil dá mostras de que não quer realmente acabar com a corrupção, não quer alterar seu sistema político corrupto e corruptor, não quer realmente se estruturar em novas bases, em novos patamares, como acreditamos e trabalhamos para nos últimos trinta anos.

Ao misturar a crise política com a operação lava a jato e aplaudir que esta foque em Lula e Dilma suas baterias e os tenha como alvo está admitindo que o alvo não é a corrupção ou o sistema corrompido e seus corruptores.

Tirar Dilma hoje é isto, segundo minha percepção… é provocar uma catarse coletiva para distrair milhões, colocando nossos algozes em seu lugar. Nem Orwell escreveria um roteiro tão fascinante. Não há como não me lembrar, nestas semanas, dos cães saindo do celeiro em Revolução do Bichos. Ou a imagem de uma manada indo resignadamente para o matadouro, em ordeira fila…

Está óbvio para mim e espero que esteja para você também, que o processo do impeachment é um julgamento onde o veredito foi dado antes do início e agora busca-se legitimá-lo com o motivo. Qual motivo? Qualquer motivo.

Me lembra uma passagem de um velho faroeste (que procurei na internet e não achei) mas que era mais ou menos assim… a população de uma cidade havia prendido um sujeito por crime de roubo de gado (?). Queriam enforcá-lo e foram ao tribunal exigir um julgamento. Ao que o juiz responde: Vocês já decidiram pelo enforcamento. Enforquem-no, mas não contem com o meu tribunal para legalizar sua ação. Ela continuará sendo um linchamento.

É disto que se trata… se trata de resolver uma eleição empatada na marra, na mão grande, na porrada. Se trata de colocar em risco todo o país para resolver a eleição que já foi. Se trata disso. Se trata de uma disputa político-ideológica legítima que se utiliza, porém, de instrumentos desproporcionais e inadequados para sua solução. Esta disputa nunca se resolverá e suas etapas serão sempre superadas se fazendo política de qualidade (formulando soluções e indo debatê-las com a sociedade, ganhando sua simpatia e seu apoio) e nas urnas.

De qualquer forma, vou encerrando minhas participações sobre este tema. Nunca escrevo para convencer ninguém, aprendi na vida que isso é impossível. Em geral escrevo para compartilhar pensamentos. No caso do impeachment, escrevi um bocado para criar dúvidas, em mim e nos outros. Mas as respostas já estão dadas. Só nos resta pegar os cacos e tocar a vida. Com ou sem impeachment, perdemos todos.

Valter Caldana

This entry was posted in cotidiano and tagged , . Bookmark the permalink.

Deixe uma resposta