A receita do confronto

No âmbito interno, há uma coisa que iguala e outra que diferencia a queda de Jango, Collor e Dilma.

A que iguala é que os três estavam em meio a uma forte crise econômica.

O que diferencia: enquanto Collor era um presidente isolado, sem base parlamentar e tampouco popular, Dilma e Jango as possuem. Aparentemente não o suficiente para mantê-los no cargo, mas o suficiente para deixar claro que não haverá agora, como não houve em 1964, a possibilidade de um governo de união. O próximo será um governo de coalização, só que de outra coalizão, desta vez composta pelo pmdb e a turma que perdeu a eleição.

Com a queda de Collor, a habilidade de Itamar em saciar o apetite do PMDB de então – de quem Collor havia tirado parte da ração – e em contemplar o desejo de espaço de algumas então ascendentes lideranças – que ficaram de fora do governo Sarney e do próprio Collor – houve a possibilidade de um governo de união (do qual só o PT ficou de fora). Governo este que conseguiu reafirmar uma série de pontos programáticos da eleição de Collor no campo econômico, avançar em outros e de quebra passar a sensação de revalorização das instituições e a Democracia.

Já com Jango e Dilma a realidade é outra. Sem a possibilidade de um governo de união e com a oposição, ainda que minoritária, nas ruas, no seio da sociedade e no Congresso agindo e fazendo pressão em variados graus de virulência e engajamento, só restará aos que assumem o poder, como em 1964, o endurecimento como resposta. É a receita do confronto.

Caso seja aprovado o impeachment de Dilma, temo que esta seja a realidade que nos aguarda:
. Um governo central acuado pelo judiciário, até mais do que o atual pois as figuras que o assumirão são mais implicadas com corrupção que a presidente que cai;
. sob pressão da parcela situacionista do Congresso para colocar um fim nas investigações pelo judiciário, o que aparentemente é líquido e certo;
. sob pressão da oposição, que estará raivosa e liberta para fazer o que sabe fazer;
. contando com a má vontade de parcela da sociedade;
. sem capacidade de dar respostas de curto prazo na esfera econômica e assumindo medidas altamente impopulares e;
. com a necessidade de se apoiar no aparato repressivo de seus principais governadores, SP, PR, RS e RJ.

Então, como em 1964, ao golpe parlamentar se seguirá um golpe militar?

Não, nem mesmo se tem unanimidade sobre se o que está ocorrendo hoje é um golpe. Aliás, discutir se este movimento é um golpe o não é o que menos interessa neste momento. O arranhão na Democracia, o corte na normalidade, a desmoralização internacional já ocorreram, qualquer que seja o nome.

Além do mais, um golpe clássico não é necessário. O aparato judicial e o aparato repressivo hoje são muito mais sofisticados e operam dentro da legalidade, inclusive se aproveitando de seu grande apoio popular nas classes médias urbanas, hoje muito mais amplas e consolidadas do que em 1964, para se legitimar. Pelo menos nos seus meses (ou anos?) iniciais.

Valter Caldana

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