Enterra ou crema?

Me alerta um amigo que o Japão tem 2.500 ações trabalhistas por ano, a França 75.000 e o Brasil 3.000.000

Considerando-se o dado correto, não conferi, (não sei nem mesmo se o Japão ou a França têm uma justiça do trabalho) assim como na fábula de Juca Chaves dos dois irmãos na manhã de natal, quando o que ganhou a bicicleta reclamou que fatalmente iria cair e se machucar e o outro que ganhou uma latinha de cocô de cavalo exultou perguntando onde estava o belo animal que acabara de ganhar… “oba! cadê meu cavalo!!!???” esta afirmação pode despertar nos interlocutores dois tipos de reação.

Que povo “reclamão” e “que ‘merda’ de patrão”…

Mais uma vez, voltamos ao nosso problema atual.
Como se analisa esta assertiva? Assim? Bola branca x bola preta? O Brasil vai mesmo insistir em se construir deste modo?
Não te parece a linearidade do raciocínio, tantas reclamações / tantos trabalhadores tão estranha quanto o próprio dado? Já estruturou o sistema?

Quais as incógnitas e quantas são as equações envolvidas neste sistema? Tipo de trabalhador, tipo de trabalho, localização de ambos, valores e tecnologias agregadas, volume de capital, volume de faturamento, taxa de retorno, confiabilidade e acesso à rede assistencial do Estado, ponto de equilíbrio desejado, enfim… são várias.

Se por um lado a esquerda sim, de fato, é monocórdica quando diz “tout court” nenhum direito a menos sem dizer quais direitos, para quem e quem os paga, a direita, como de costume, vilaniza conquistas sociais e coletivas e, indo além, vilaniza as estruturas de Estado que atuam na garantia de seus efeitos. Pior, por individualista que seja, sempre parte do princípio de que a relação entre o capital e o indivíduo é uma relação equilibrada. E não é.

Ou seja, como não dá (ainda) para diminuir o número de reclamões, que se diminua a possibilidade de reclamar. O mote: “simplificar” o sistema. Ou seja, mantê-lo binário.

Mantê-lo binário significa mantê-lo no século XIX quando uns detinham a força de trabalho e os outros os meios de produção. Hoje, continuamos a conviver com isso em diversos rincões do Brasil e do planeta.

Mas é indisfarçável que há um sem números de situações que fogem completamente desta estrutura, insisto, binária. Basta constatar a enorme quantidade de categorias, nichos de produção e cadeias produtivas que passam ao largo desta estrutura há décadas e funcionam muito bem.

O século das cidades é o século da diversidade.
Não se trata de simplificar o sistema, se trata de complicar o sistema, torná-lo muito mais complexo, muito mais abrangente, muito mais próximo da realidade. E, na outra ponta, simplificar o uso. O mundo é IOS não é mais DOS.
Não me consta que os algorítimos do Google sejam simples. Simples é usar o Google.

Por isso é mais uma perda de oportunidade, só mais uma é verdade, a forma como se encaminha a reforma da legislação trabalhista. Nada do que signifique presente ou futuro é levado em conta. Só se olha a velha estrutura, só se olha para trás.
A simples pergunta “por que a banca de acarajé da Madá tem que ter as mesmas obrigações com relação à proteção ao trabalho, à seguridade social e até mesmo com relação à arrecadação direta de impostos que a GM, a VW ou o Google?” não é respondida.

A estágios diferentes de desenvolvimento, que se correspondam obrigações contributivas diretas e indiretas também diferentes. Qualquer solução tem que passar por reconhecer e discutir as diferenças. Tem que passar por organizar as contribuições a partir da relação volume de capital x faturamento x criação de emprego.

Estou cansado de ver colegas serem tratados na justiça como se fossem o dono do Bradesco e estivessem roubando merenda escolar de escola pública. É duro, dá raiva, dá vontade de… Mas, onde estão as respostas a isto, por exemplo?
Só o que leio e ouço é que o problema está no excesso de direitos, na indústria da reclamação, e que tem que cortar.

Então tá… em um país a cada dia mais binário espero poder escolher se quero morrer na cruz ou na caldeira. Só espero que isso não seja adicionado ao meu direito (difícil de ser conquistado, para quem se lembra) de optar entre ser enterrado e ser cremado. Pois é capaz de quererem cortar algum deles…

Valter Caldana
This entry was posted in cotidiano and tagged , , , , , , , , . Bookmark the permalink.

Deixe uma resposta