Liberalismo de Estado e Capitalismo sem Risco

Continua deDescentralização e Interação

Ainda sobre o Mapa da Desigualdade 2017 apresentado pela Rede Nossa São Paulo (veja aqui) e sobre a necessidade de descentralização e interação na formulação e na implantação de políticas públicas na cidade de São Paulo (não só aqui), é preciso também entender as relações público-privado neste início de século com realismo e de forma abrangente.

A dificuldade de descentralizar emprego e renda em São Paulo, minorando as agruras e a perversidade de uma cidade que se desenvolveu seguindo piamente um modelo segregador e excludente, caro e baseado no que chamo de extrativismo urbano não passa apenas, certamente, por questões urbanísticas, uso do solo e mobilidade à frente.

Ainda que estes sejam dois fatores determinantes, sem os quais nada se realizará, é preciso levar em conta, na micro e na macro escala, a aversão que tem o nosso médio e grande capital à criatividade e ao risco.

No Brasil o capital exige ser tratado não como um parceiro e um partícipe. mas como quem é de fora, como quem faz um favor. Aliás, não perceber isto foi sempre o maior erro dos desenvolvimentistas e dos nacionalistas, de direita, centro ou esquerda, desde a década de 1930.

Quado se ouve da iniciativa privada que faltaram investimentos pois o ‘ponto de equilíbrio’ em relação aos ‘incentivos’ ainda não foi alcançado, cometendo aqui flagrantemente a injustiça da generalização, o que se tem é um movimento de pressão pura e simples. Pressão por mais benefícios, por mais privilégios a serem pagos por todos, por toda a sociedade. Um preço coletivo, uma espécie de juros ou de remuneração do capital invisíveis e não contabilizados. Enfim, todos conhecemos bem e sabemos da voracidade por incentivos fiscais…

Já o pequeno capital, este é heroico pois mesmo perdendo de 7×1 todo dia, sem incentivo e com tudo contra, insiste e trabalha de segunda a segunda, sem intervalo.

Enquanto uma cabeleireira lá no Jardim Ângela trabalha o dia todo, cuida da casa, das crianças, das crianças da vizinha, cria dois ou três empregos, ensina um ofício, resiste à bandidagem e ainda sonha em legalizar e expandir o negócio, tudo isso sozinha, tem rede de food aderindo fast fast ao trabalho intermitente e querendo pagar R$4,50 por hora…

Mas, para a cidade interessa muito o pequeno capital, o pequeno empreendedor criador de emprego, prestador de serviços cotidianos, comerciante de gêneros de primeira necessidade, o pequeno comércio. Daí a importância dos planos de bairro e dos projetos locais para desenhar e construir o nosso futuro. O PIU Cidadão.

Não se pode esquecer ou subestimar o fato de que porções enormes desta cidade foram construídas com a poupança de pequenos investidores, membros da classe média nascente ao longo da primeira metade do século passado. Bairros hoje valorizadíssimos como Pinheiros, Vila Madalena, Vila Mariana, Perdizes ou Sumaré e tantos outros foram construídos assim…. Pequenos poupadores, pequenos empreiteiros e pequenas transações bancárias.

Hoje, infelizmente, já não é assim, perdemos este espaço. Ganharam o extrativismo, as grandes operações, a gula por incentivos fiscais, o trabalho intermitente, a ojeriza ao risco e, claro, o fast food.

Perdemos todos.

Valter Caldana

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