Descentralização e Interação

A Rede Nossa São Paulo apresentou há quinze dias seu mapa da desigualdade 2017 (veja aqui). Trabalho brilhante e importantíssimo para compreender a materialização de nosso modelo de desenvolvimento urbano.

Neste mapa, um conjunto de indicadores assustador, ficam claras, palpáveis, visíveis a olho nu a necessidade e a urgência de que se promova a descentralização administrativa, política e econômica da cidade, transferindo poder de decisão e de realização orçamentária para as prefeituras regionais.

Esta é uma tarefa imprescindível, cuja necessidade e cujos efeitos positivos são fartamente conhecidos e alardeados por especialistas de todas as áreas e que, paradoxalmente vem sendo negligenciada pelas sucessivas administrações municipais que se limitam a admitir sua necessidade e prometer agir neste sentido.

Quando o fazem, e de fato procuram fazer, o fazem de modo caricato, superficial e tópico. A preferida é a mudança de nome da estrutura descentralizada: Administração Regional, Sub Prefeitura, Prefeitura Regional. Poder zero, orçamento de investimento zero, participação efetiva, deliberativa portanto, zero.

Faça-se jus ao aumento do número de unidades descentralizadas ao longo do tempo mas, infelizmente, isto também foi bem claramente aceito muito pela possibilidade de mais postos e cargos a barganhar com vereadores e com lideranças partidárias e locais, ainda que se mantendo seu pequeníssimo grau de autonomia e sua quase insignificante verba de manutenção e zeladoria.

Faça-se jus, também, à criação dos Conselhos Participativos. Instrumento fundamental, basilar para que qualquer política de descentralização vá adiante, estes conselhos, no entanto, são tratados a pão e água, mais água que pão. A eles é dada uma condição no mais das vezes figurativa que sequer chega a ser uma câmara de descompressão ou um instrumento para que o agente público executivo, prefeito regional, prefeito ou vereadores possam ouvir e considerar efetivamente a palavra da população, da sociedade.

Vistas desde sempre pelos políticos com mandato e mesmo por membros do executivo como um celeiro de proto candidatos, se acaba por subestimar sua importância estratégica na construção e na implantação de políticas públicas transversais e na construção, realização e fiscalização do orçamento municipal.

Seja como for, o binômio “descentralização e participação” não pode se manter no campo da retórica político-eleitoral e deve se tornar política pública efetiva, como dizemos, somos tantos, há mais ou menos 35 anos (não vamos nos aposentar, vamos continuar dizendo…) .

Descentralização e participação, que hoje eu já ouso substituir por descentralização e interação, que me parece um conceito mais amplo e mais dinâmico, incorporando novos comportamentos e novas tecnologias, é a melhor forma de aproximar a gestão da população. É a melhor maneira de levar o marco regulatório do planejamento urbano até a escala da cidade real, do cotidiano e das necessidades do cidadão.

Somos no Brasil, talvez fruto das tantas ditaduras a que estivemos submetidos ao longo do século XX, grandes especialistas em planejamento setorial, planejamento vertical. Plano de Educação, Plano de Saúde, Plano de Habitação, Plano de Transporte, e outros, todos feitos com esmero, profundidade e grande qualidade. Pode-se dizer, sem medo de errar, que somo uma escola de planejamento setorial. No entanto, talvez também pelos mesmos motivos, temos quase sempre planos surdos. E mudos quando se refere a conversar com os seus planos vizinhos.

Nos falta a dimensão transversal, que é a dimensão da articulação das ações previstas no planos. Articulação, materialização e ação no território. Enfim, falta superar as dicotomias entre Política, Plano e Projeto que são, como costumo dizer, a verdadeira PPP.

Esta dimensão só se consegue com uma política de efetiva descentralização e interação, levando o projeto e a construção do território, reitero, à escala humana. Só assim se conseguirá, por exemplo, um plano diretor e uma lei de zoneamento que respondam às contradições da cidade construída e suas necessidades presentes e futuras. Só assim se conseguirá, por exemplo, criar emprego e renda em áreas ditas periféricas.

Só assim se conseguirá construir a cidade do século XXI com as qualidades básicas que a ela desejamos e dela precisamos: inclusiva, justa, sustentável e, portanto, bela.

continua em “Liberalismo de Estado e Capitalismo sem Risco

Valter Caldana

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