O país da meia sola

Desde as reações à venda da Embraer para a Boeing, que chegou a ser comparada com a venda de um empresa de mostarda ou de cerveja, concluí algo que venho pensando há algum tempo, desde 2013…

O Brasil se tornou um país irreconciliável. E isto é… bom!

Mais do que bom, isto é ótimo! Só falta agora assumirmos esta nossa nova fase na vida e entendê-la. Olhar para o lado e perceber que muitos países, muitos povos, muitas nações, entre elas as maiores do mundo, também são irreconciliáveis.

Entre os países mais próximos de nós, neste grupo se incluem EUA, França, Itália… até mesmo a Inglaterra.

Se descobrir irreconciliável é a possibilidade de amadurecer, de reconhecer diferenças, de aprofundá-las, de explicitá-las sem medos ou vergonhas. Sem meias palavras, sem cochichos, sem conspirações. É poder gozar da capacidade de aprofundar projetos sem as amarras, sem a obrigação de ser consensual, de agradar o outro. É a possibilidade de reconhecer que o outro existe e é.

É, acima de tudo, a possibilidade de se assumir como se é. Com suas fraturas, seus erros, seus acertos. É a chance de parar de empurrar para baixo do tapete todas as mazelas, todas as sujeiras. De parar de acreditar que somos livres para o que der e vier, parar de acreditar que aqui não há racismo, que não há preconceito social, que somos o país do futebol, que nunca entramos em guerras, que não cometemos genocídios, que não temos terremotos, que nossa pátria tem palmeiras onde canta o sabiá.

Não dá mais para ser um país onde crianças podem tudo e transformam um simples e amigável restaurante de domingo na ante sala do inferno e ao mesmo tempo encarcerar e matar crianças na guerra do tráfico. Viver com medo de adolescentes. Deixar crianças fora da escola em tempo integral.

Vai meu Brasil inzoneiro, descobrir suas identidades, explicitar suas diferenças e construir seus vários projetos. Aprofundá-los, explicitá-los para si mesmo.

Esta é nossa grande chance. Nossa chance de experimentar o amadurecimento que nos falta para construir um grande projeto nacional e parar de dar fazer vôos de galinha e dar saltos no escuro.

Para isso, penso, alguns cuidados são necessários. O primeiro é a criação de uma agenda em torno da qual todos se curvam… Os americanos tem lá sua crença no poder das liberdades individuais, os italianos no poder da arte, da cultura e da discussão, os franceses no poder da reclamação* e do estado, os ingleses no poder do equilíbrio real…

O segundo é que os envolvidos façam seus projetos e os explicitem. E que admitam que a vitória não é o extermínio do concorrente mas o convencimento da maioria.

E que o que importa é a resultante, não o resultado.

Quem sabe esta seja a nossa chance de deixar de sermos o país da meia sola.

Valter Caldana

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* Outro dia no aeroporto de Paris, por circunstâncias pois gosto de ser o último a entrar no avião, fiquei na fila do embarque antes deste começar. Estava marcado o início para as 09h20. Às 09h22 o francês ao meu lado, maduro porém mais jovem do que eu, me olha com cara de enfado e reprovação, a que retribuí por educação. Às 09h24, já meu cúmplice ele rosna um “esta é a França de hoje, nada funciona”… 09h26 estávamos no finger entrando no avião…  ;-)
Mas ele tinha razão!!!! kkkkk
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