Passa, mas não anda.

Para impor junto à sociedade sua atuação, o Estado dispõe, além de instrumentos legais, de outros mecanismos. Entre os quais, como diz Poulantzas, a criação de um “coletivo alternativo” que dificulte a formação de uma consciência de classe mais profunda e questionadora de seu próprio poder político e, ainda, possibilite ao cidadão o sentimento de participação efetiva nos mecanismos de exercício do poder.

A exacerbação dos sentimentos nacionalistas de uma sociedade em momentos de crise é um bom exemplo deste mecanismo.

Este novo coletivo está também intimamente ligado ao consumo. Pois, na medida da venda, ou troca, de seu trabalho por um salário, o cidadão conquista o direito ao consumo. Não apenas de bens, mas inclusive das políticas públicas ou do próprio território.

Pagar impostos, por exemplo, faz deste cidadão um “sócio” deste coletivo, com direitos. Morar, estudar, trabalhar, por exemplo, são pressupostos básicos da vida urbana.

Desse modo, as políticas públicas, nestes e nos demais setores, se inserem neste coletivo alternativo proposto pelo Estado, uma vez que o consumo pela sociedade dos benefícios gerados por estas políticas se dá coletivamente.

Aparentemente, através da elevação de seu nível de consumo, as classes trabalhadoras passariam a ter um acesso maior à própria determinação destas políticas e, enfim, maiores condições de influir e alterar a correlação de forças representadas pelo Estado. Como se fosse inquestionável o aforisma segundo o qual “ser cidadão é poder consumir”.

Ocorre que este conceito de consumo coletivo pode ser melhor explicado como sendo um consumo individual que se dá coletivamente. O que corrobora a idéia de que este é na realidade um mecanismo integrante do coletivo alternativo criado pelo próprio Estado.

Afinal, não se espera de um cidadão nenhum tipo de sentimento atávico diante da dificuldade cotidiana para entrar em um ônibus lotado.

O acesso das populações urbanas ao consumo é diferenciado espacialmente. Mesmo o acesso ao consumo do território ou aos serviços nele implantados. Tarifas subsidiadas e financiamentos a longo prazo, de “caráter social”, são prova disto.

É através de mecanismos como a elaboração destas políticas, montagem dos serviços e financiamento do seu consumo que o Estado planeja e desenha a cidade. E se utiliza de instrumentos legais como os Planos Diretores e as Leis de Zoneamento, Parcelamento e Uso do Solo, para materializá-la.

Valter Caldana

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Texto que escrevi em 1994, há 25 anos!!!! um quarto de século!!!, no meu mestrado. Tenho a impressão de que no Brasil o tempo passa, mas parece que não anda.

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