Ou não

ou de como assim é
se lhe parece

Ontem conheci uma jovem gorda que está fazendo uma destas dietas suicidas com remédios, chás, laxantes e jejuns famélicos…

Por não ter intimidade suficiente com a moça, não passei de conselhos óbvios do tipo cuidado com sua saúde, etc. Mas, não pude deixar de pensar um pouco sobre ela e sobre isso.

Todo gordo por vocação e profissão, como eu, aprende desde muito cedo que há sempre dois modos de medir (julgar, considerar, avaliar, projetar, executar, apreciar, fruir…) uma coisa.

Por exemplo, aprendemos sempre que para a esmagadora maioria somos ‘gordos, coitados’… Mas, logo aprendemos que a esmagadora maioria é magra, tadinhos…

Aprendemos que muitos insistem que temos muita massa corpórea para nossa estrutura óssea. E acabamos por descobrir que temos pouca estrutura óssea para nossa massa corpórea. E assim por diante.

Aprendemos a conviver com a ideia amplamente aceita de que somos inadaptados ao mundo – roupas, mobiliário (cadeiras à frente), alimentos, veículos (a começar por aviões, que amo), etc. – e rapidamente percebemos que o mundo é que é extremamente mal projetado e pessimamente construído.

Também desenvolvemos uma relação muito especial com o segredo e com a intimidade. Sabemos como ninguém que isso não existe de fato pois logo de cara aprendemos que nosso corpo (inclusive o dos magros e magras, tadinhos) nos revela ao mundo. E, safadinho e tagarela, revela ao mundo que temos prazer e orgulho onde outros tantos sucumbem à obrigação de ter que sentir culpa e vergonha … adoramos comer e comer bem, e muito.

De fato, este escancaramento de certo modo acaba sendo libertador. Afinal, ser gordo não é uma questão física, é um estado de espírito, é uma coisa da alma. O corpo pode até emagrecer, mas o fato é que não há nada que um gordo faça, dietas à frente, que o torne magro.

Talvez por isso exista esta crença infantil e idiota espalhada pelo mundo de que todo gordo é bem humorado. Isto é uma tolice, além de uma bizarrice. Quem conseguiria ser todo o tempo bem humorado e simpaticão? Aliás, alguns não poucos aqui da lista já me viram e me suportaram bem mal humorado e nada simpático. A quem, claro, bem humoradamente agradeço.

O que ocorre, e confunde a percepção das pessoas, é que, na verdade, todo gordo é liberto, é forro.

Assim sendo, e por ter o privilégio de ter descoberto cedo que há sempre pelo menos dois modos de ver o mundo à sua volta, como disse no começo deste texto, e que nenhum dos dois é realmente verdadeiro, o aparente bom humor do gordo não é bom humor. É tolerância.

Tolerância que se deve a isso, à sua liberdade e ao fato de que um gordo, uma gorda, sempre sabem que aquilo tudo que está acontecendo à sua volta, como tudo isso que escrevi até aqui, é verdade, ou não.

Valter Caldana

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