O prazer de errar

É muito importante ficarmos atentos para o quão positivo é, em perspectivas de mais longo prazo, a queda das máscaras e dos véus de cinismo que caracterizam a sociedade brasileira.

Não deve ser motivo de chateação ou revolta. Ao contrário, deve ser motivo de júbilo, de contentamento e esperança.

A sem cerimônia e a sinceridade deste governo, por seus mais importantes representantes no legislativo, no judiciário e no executivo, incluídos com destaque o ministro da educação, do meio ambiente, da cidadania (ou nome algo parecido), da economia e o próprio presidente são marcantes. Doravante estarão registradas em todos os anais. Em todas as análises futuras que se fizerem deste nosso período.

A tranquilidade com que instrumentos de pauperização e exclusão de parcela significativa da sociedade são implantados ao lado da velocidade com que outros instrumentos que se julgava serem conquistas perenes são simplesmente eliminados e jogados num poço de cal são testemunhos disto.

Que fique claro que são ações que só são possíveis com o apoio e o beneplácito de parcela majoritária da sociedade. Daí a assertiva inicial.

Chega de máscaras alegóricas e véus diáfanos. Somos o que somos. Somos isso. Ponto.

É sem dúvida doloroso para alguns ver a sociedade urbana,
industrial e de serviços, quiçá democrática, que estava em construção se esfacelar de modo tão ligeiro, faceiro e contundente, inconteste.

Para outros, se soma, ainda, a dor de ver o retorno triunfante, depois de noventa anos, do país agrário e extrativista, a grande fazenda produtora de grãos, carne e minério. Que cede sem nada sequer pedir em troca. Que dá, mais que vende.

Se os sonhos de quase um século esboroaram, explicações há. Mas é cedo, talvez, para construir certezas que possam ir além do reconhecimento do naufrágio e da derrota. E da dolorosa tarefa de recolher cacos, chorar as perdas e tentar reconstruir, apenas para a memória posto que inservível, uma pálida caricatura do que foi o sonho feito em pedaços.

Porém, sobretudo para estes mas também para outros lembro que os processos históricos são lentos, implacáveis e inexoráveis.

A abolição da escravatura foi construída durante pelo menos 40 anos (1850/1888), e veio como veio. A revolução urbana demorou mais 40 anos (1889/1930), e veio como veio. A experiência urbana durou 90 anos (1930/2020) e está acabando como está …

Tenhamos calma e paciência. Algo novo virá.
Mas, no cronos humano, vai demorar…

E, sinceramente, quero muito ter o enorme prazer de estar errado.

Valter Caldana

This entry was posted in cotidiano. Bookmark the permalink.

Deixe uma resposta