O direito de sonhar e o poder de voar

ou como a fome provoca inapetência

O que me espanta na posição que crê ser natural e até positiva a venda da Embraer nem é sua desatenção para uma questão estratégica elementar ou mesmo sua desconsideração das condições de contorno, onde as principais nações, entenda-se EUA, o consórcio europeu e a China investem inclusive dinheiro público, e muito, na manutenção deste ativo.

Deixo de lado aqui também as considerações sobre as implicações geo políticas regionais, sul-sul ou globais… pode dar tilt como se dizia nos meus tempos de fliper ou provocar burn-out, como dizem os jovens hoje em dia…

O que me espanta é a não percepção de que o problema não é a nacionalidade do dinheiro ou, num mundo de plataforma 4.0, a localização da planta principal.

Vale lembrar aos vendedores que os chineses desenvolveram rapidamente seu projeto de avião de médio porte depois de atrair a própria Embraer para abrir uma fábrica lá e depois torná-la inviável, os canadenses garantirem empregos e o controle de inteligência e P&D no Canadá, e os russos unificarem as fábricas da de aviões da ex-URSS para produzirem (com os chineses!) um jato intercontinental…

Ou seja, com a desistência da Boeing não é só que não haja outros compradores para a Embraer. Há sempre uma Tesla, uma Virgin ou mesmo os chineses por aí…

Num português castiço e numa linguagem fácil de entender, este quadro demonstra que a Embraer não é target, é player! E top player pois já é privada há décadas, domina o knowledge e tem o know how do ciclo completo de projeto e produção – da prancheta à cabeceira da pista.

Já trabalha em plataforma 4.0 com matriz internacionalizada há tempos e, o mais importante de toda a questão, é a sustentação, a âncora há meio século de nosso maior e mais potente technopole, cluster tecnológico na área de eletrônica digital.

É preciso despertar para o fato de que o problema é o controle da gestão estratégica, da direção da operação, da base e da gestão de P&D, assegurando os empregos qualificados na outra ponta. É isto alimenta a cadeia produtiva e produz riqueza.

Para completar o quadro, diante da crise estrutural do modelo de ciranda financista parasitária agravada agora pela pandemia que expôs o nível insuportável de contradições do sistema nos países centrais, o que se tem?

A vitória inconteste da principal demanda da direita nacionalista contra os liberais internacionalistas, que é o repatriamento da base territorial da produção, a reorganização e aumento da oferta de empregos, em especial os qualificados, e a recomposição dos salários…

Então, vejamos o caso das montadoras de automóveis, caminhões e máquinas… Onde e atendendo a quais interesses está a tomada de decisão estratégica e a produção de conhecimento? Atendendo a quais critérios e objetivos foram tomadas as suas últimas decisões? E as próximas?

Ou mesmo a pré quebrada Boeing, que tudo indica será salva com dinheiro do contribuinte americano, Eles mandaram devolver a aviação civil mas… Aparentemente o KC 190 continua com a Boeing, que vai comercializá-lo, tirando da Embraer, e do Brasil, a possibilidade de explorar mercados que não sejam do interesse geo político dos EUA….

Ou seja, simplificando mais uma vez pois a questão é de fato simples. Dinheiro, este não tem pátria há séculos. Mas inteligência e conhecimento tem nacionalidade e sotaque, permitem sonhar e voar.

E não tem preço!

Valter Caldana

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