Um aspecto que já nem me choca mais é a voracidade do grupo social hoje hegemônico na sociedade.
Desde 2016 o desmonte da CF é gritante e a velocidade da retomada do Brasil rural, dependente e importador preconizado pelo liberais é estonteante. Importador, sim, pois o projeto não é de um país exportador de commodities e produtos agrícolas sem valor agregado. É de um país importador… Importador de conhecimento, tecnologia, bens e produtos, serviços, etc… Exporta-se para ter dinheiro para importar.
No entanto, se isso já não me surpreende, posto que vitorioso foi nas urnas em 2018 e reafirmado agora em 2022, de modo inconteste, tem me chamado a atenção o corolário desta opção adotada pela parcela hegemônica de nossa sociedade.
Este corolário não está ligado apenas à dependência econômica ou à pauperização das nossas cidades, elevando o nível de miséria e desigualdade a níveis mais do que alarmantes, posto que alarmantes já são, tornando as cidades inabitáveis mesmo, e sobretudo, para aqueles que defendem este projeto.
Está ligado ao fato de que a explosão social inerente a este modelo é inexorável. Afinal, é bom lembrar que o projeto do fazendão funcionava bem quando o país tinha uma taxa de urbanização da ordem de 30 a 40% da população…
Vale lembrar que para a agricultura crescer no modelo adotado na década de 1960/1970, foi necessário mandar a população para as cidades. Crescimento urbano vertiginoso, numa velocidade muitas vezes superior à nossa capacidade de construir infraestrutura básica.
Deu nisso, nos absurdos déficits com os quais convivemos desde então…
Hoje estamos em 90% de taxa de urbanização da população. E vale lembrar que todo este contingente, inclusive nós, está excluído do projeto e do modelo econômico em implantação.
Não há a necessidade de serviços, por isso não há a necessidade de formação de qualidade. Não havendo a necessidade de formação de qualidade, não há a necessidade de educação de qualidade. E por aí vai… Isto se aplica a quase todas as áreas de conhecimento, não apenas à educação (que me fala mais de perto, por isso citei).
A opção está feita. Nada faço que não seja uma constatação. Não vai aqui, sequer, um juízo de valor.
O Brasil, por óbvio, não vive sem o agronegócio. E nada do que escrevi acima vai contra esta realidade. Aliás, como arquiteto e urbanista, nem me sinto muito à vontade para falar sobre o agro, me limito às questões ambientais.
O que procuro chamar atenção é que o problema não está lá no rural (ou sim, não é o assunto aqui). O problema está bem aqui. Na cidade, no século XXI, na porta de nossas casas. Hoje havia um ser humano defecando entre um carro e o meio fio, às 14h00, na rua Dona Veridiana.
A surpresa, afinal, qual é, então?
A surpresa é o estado de SP, que resolveu abrir mão das conquistas e vitórias que obtivemos desde 1932 ao rejeitar inclusive, a opção dita de centro representada pelo governador Rodrigo Garcia… Se não era centro, e sim centro direita, a esquerda tampouco o é, posto que centro esquerda.
O fato é que o estado, sempre conservador, optou não pelo caminho intermediário. Optou por uma das pontas. A ponta mais à direita que a própria direita. Optou pela adoção, aqui, pelo voto, do modelo carioca-federal de governo. Por carioca, não me refiro à origem de nascimento do candidato vitorioso no primeiro turno. Me refiro ao grupo que ele representa e às metodologias de governança que defende.
Ou seja, aquele estado que ao perder na porrada em 32 respondeu construindo a maior universidade da América Latina, o maior sistema de pesquisa, produção de conhecimento e formação de quadros, o maior parque industrial e de serviços do país, conquistando em pouco menos de 25 anos a hegemonia econômica (década de 1950) e pouco menos de trinta e cinco anos a hegemonia cultural (década de 1970/1980), se prepara para uma guinada.
Aquele mesmo estado que construiu a melhor e mais qualificada rede pública de assistência técnica agrícola do país, vide agronômicos de São Paulo, de Campinas, vide ESALQ, Botucatu, etc, etc… vide as DiRAs opta por abrir mão disto tudo.
A surpresa, então, afinal, encerrando, é que os bisnetos de nossa elite agrária parecem não conhecer sequer a história de suas famílias, de suas bisavós e seus bisavôs.
Valter Caldana