Retratos

ICMS menor para produtos de primeira necessidade no combate à propagação do vírus.
Acho correto.

Mas, me pergunto se ela vem acompanhada de congelamento do preço ao consumidor ao nível de 15 de janeiro e prisão em flagrante sem direito à fiança de quem aumentar os preços?
Não.

Seria invasivo, intervencionismo, autoritarismo, quase terrorismo de Estado?
Sim.

Ok, também acho…
Então, por que a renúncia fiscal se a própria sociedade não está nem um pouco interessada em se ajudar e o espírito público e a responsabilidade coletiva morreram por aqui muito antes do início da crise do vírus.

Precisamos nos conscientizar que já há algum tempo estamos diante de nós mesmos. E as provações só aumentam.

E o retrato é este mesmo.

Valter Caldana

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Ameaças e ameaças

ou quem ameaça o que
ou o que ameaça quem

Esta pandemia, mais uma, traz uma questão muito mais séria do que ela própria. Ela traz em si a evidência de que nós estamos aprendendo pouco, muito pouco com nós mesmos e com nossa trajetória.

O fato é que a humanidade está chegando ao colapso de seus modelos de sobrevivência no planeta. Todos eles estão fazendo água, muita água. Não conseguem mais resistir ao peso de suas contradições e a ineficiência de seus instrumentos diante da superpopulação, da sofisticação inaudita das relações econômicas, políticas e sociais e da velocidade dos hipertextos e hiperlugares possibilitados pela conectividade plena.

O que se evidencia cada vez mais claramente é que a fragmentação e a incapacidade de encontrar força para uma verdadeira união da espécie em torno de interesses basilares comuns assim como a superação de divisões artificiais construídas e alimentadas ao longo da História fica cada vez mais distante.

Já há algum tempo me parece que a única possibilidade de superação desta realidade, deste fim dos tempos, é o surgimento de um inimigo comum.

Sim, algo bastante potente que faça com que cada ser humano em sua individualidade ou coletividade se sinta ameaçado e consiga perceber que diante da tal ameaça não haverá salvação individual mas apenas coletiva. Se sinta ameaçado a ponto de abrir mão de qualquer sentimento de superioridade ou inferioridade com relação ao outro. Ou seja, uma ameaça que nos nivele e nos reduza, ou aumente, à nossa essencial condição de igualdade. Que nos dimensione.

A natureza tem feito este papel. Universo do equilíbrio e das igualdades por definição, desde sempre alvo principal da ação humana no planeta, ela reage e nos dá avisos constantes. Ela provoca, indica. Chega mesmo a criar estas ameaças a que me refiro, na forma de desequilíbrios didáticos e exemplares que chamamos ora de fenômenos, ora de tragédias, para ver se nos tocamos e… nada!

Este é o problema. Nada tem conseguido fazer despertar na humanidade o sentido da igualdade, da equivalência, da necessidade da mutualidade. Nem intempéries como vulcões em erupção, ciclones e furacões, tsunamis, aquecimentos, secas e inundações cíclicas, cuja frequência é cada vez maior em períodos cada vez menores, nem pandemias mortais como a fome, a pior de todas, e as virais, como esta atual.

O que leva à seguinte consideração. Já que nenhuma ameaça surgida dentro deste globinho que habitamos é capaz de nos dar metro, de nos fazer entender que o jogo aqui é para terminar empatado e que nós é que fazemos barulho demais e urinamos fora do pinico, será que realmente vamos ter que ficar na dependência de uma ameaça extra terrestre? Na dependência do dia em que faremos contato? Afinal, seriam, realmente, os deuses, astronautas? Quem virá? O que virá?

Esta pandemia vai passar. Vai infectar e matar muito, mas muito menos gente do que a fome. E muitíssimo menos gente do que um monte de outras epidemias e endemias fartamente conhecidas por todos nós. Por ciência e governos. Por sociedade e empresas.

E vai deixar a lembrança de algumas perdas e a dica… a humanidade continua, como sempre, temendo só uma coisa. O desconhecido. E, assim que ela o conhece, o fagocita e toca seu caminho, imperfeito, contraditório, desequilibrado, injusto.

Com alguns dos seus bradando, para animar a festa: defina justiça, defina equilíbrio, defina ética!

Valter Caldana

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(B)em comum

Nos últimos 100 anos o mundo assistiu à recuperações estupendas por parte de alguns países que ou eram simplesmente muito pobres ou estavam destroçados por guerras…
O que a recuperação de todos estes países (Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Japão, Coreia, China…) tem em comum?
O sistema político?
Não.
Ideologias dominantes?
Não.
Eles tem em comum amor próprio e uma única receita: investimentos públicos, públicos, maciços, maciços, maciços em infra-estrutura, pesquisa e educação.

Valter Caldana

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Pirlim pim pim

ou quando o canto da sereia pode se
transformar no canto do cisne

O prefeito (em exercício) vetou a Lei aprovada pela Câmara Municipal que criava o Parque do Bixiga.

Importante destacar, neste episódio, que o encantamento por instrumentos sedutores leva à uma certa dificuldade de discernimento.

Poucos meses atrás aqui no face no grupo do laboratório alertei que havia e haveria muita controvérsia legal e jurídica em torno da Câmara aprovar Leis que geram despesas diretas e custeio. Em especial a criação de parques e outros equipamentos públicos específicos e pontuais. Lembrei que há interpretações que dizem que não cabe ao legislativo este papel, que seria prerrogativa do executivo.

Tomei uma belíssima e mal educada porrada e um sonoro “fica quieto cidadão”. Bem… O veto do prefeito não se deu apenas pelo motivo que levantei. Há outros. Mas, de modo geral, quase todos no âmbito jurídico e legal.

O fato é que sim, a controvérsia de interpretação de uma Lei já no nascedouro de qualquer projeto o fragiliza e eleva exponencialmente a possibilidade de que o mesmo seja judicializado o que, de modo geral, o remete ao adiamento indeterminado e à inviabilização.

Claro, a Câmara pode agora, smj, derrubar o veto. A conferir.

Sobre a TDC

A TDC – Transferência do Direito de Construir é um instrumento novo (por aqui), importantíssimo e, em minha opinião, fundamental para a gestão da cidade no futuro próximo. Sou um seu grande defensor.

Mas, como todo remédio, este também é potencialmente um veneno e pode causar estragos e dependência… e isto não é bom e fará com que ela, a TDC, perca o efeito e, inclusive, se torne um grave problema. Até maior do que os que ela pretende auxiliar a corrigir.

Em tempo

Aviso aos navegantes…
Antes que eu comece a apanhar de novo, o que escrevi acima não tem nenhuma relação com ser a favor ou contra o Parque do Bexiga ou a Praça do Oficina. O assunto é o uso do instrumento e a solução jurídico-legal encaminhada.

Ainda em tempo

Determinou o destino que assinasse o veto o presidente do mesmo poder legislativo que aprovou a Lei.

Valter Caldana

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A parte e o todo

Uma resposta (tréplica) exageradamente longa dada em função de um questionamento que fiz por engano em um post sobre mobilidade urbana no Facebook.
O post original que gerou a réplica e esta tréplica é sobre o monotrilho.

________

Obrigado por seu comentário.

Me permita esclarecer alguns pontos, até por que percebo que temos uma concordância básica que é um profundo desejo de ver o sistema funcionar e a engenharia (e a AU) nacionais brilharem.

Quando escrevi 12.000.000 de habitantes (acredite, eu havia escrito 20 milhões e recuei) o fiz exatamente por que o nosso sistema e seus operadores, até hoje, não conseguiram, não puderam, não quiseram, enfim, até hoje não temos um sistema metropolitano verdadeiramente integrado. Sequer o sistema tarifário, ou um cartão único que seja. Sei que há impedimentos de várias ordens, inclusive legais. Mas o tempo não para e a necessidade desta integração e da racionalização desta integração já se conta em decênios.

Seja no âmbito metropolitano seja nos municipais da região ou no municipal da capital, a intermodalidade continua sendo mais teórica do que prática. Até mesmo na administração cotidiana dos terminais ditos intermodais há conflitos. Conflitos de várias naturezas. Trem, metrô, ônibus metropolitano, ônibus municipal, vans/lotação/fretados, taxis, úberes e quetais, bicicletas elétricas ou não, patinetes, skates, patins … o que dizer disso? Mesmo nos grandes terminais…

Qual a resposta? Um chamamento para privatizar terminais, perpetuando o atual modelo, e colocando como apelo principal operações imobiliárias sobre e no entorno.

A pergunta é: Como é a vida do usuário que tenta, com afinco e boa vontade, exercitar no seu dia a dia a tão defendida intermodalidade?

Na estação São Paulo Morumbi da linha 4 o sujeito que sai da estação e tenta pegar um Uber ou um taxi tem que passar sobre um gramado, algumas poças d´água, andar no asfalto em meio a carros parados tentando pega seus amigos, filhos ou passageiros e

É lindo o controle operacional da linha 15? E a CCO da Vergueiro então? Um verdadeiro orgulho. Sou da geração que viu, ainda criança e adolescente, aquilo ser projetado, construído e colocado em operação. Nunca subestime o orgulho que um paulistano de meia idade tem do nosso metrô. E de suas conquistas tecnológicas.

Nesta linha de pensamento, é excelente o sistema operacional da 15?
Ótimo.

Mas, e o sistema de informação ao usuário no sistema, então?
O que diríamos dele? Por mais que que eu gaste boa parte de meu tempo a teorizar e hipotetizar, não consigo encontrar uma explicação, no país onde votamos em urnas eletrônicas, fazemos a declaração de imposto de renda em pouco mais de uma hora (assalariados) e temos uma das melhores tecnologias de pagamento no varejo e tecnologias bancárias do mundo, para o fato de que eu não consiga chegar num ponto de ônibus e saber quais as linhas que passam por ali, com o que se integram e a que horas passará o próximo veículo. Não consigo, sequer, saber em que ponto/lugar da cidade/região estou…

Vale lembrar que não fosse o governador Mário Covas, que tanto nos falta, determinar a seu modo um diálogo mais firme entre CPTM e Cia do Metro talvez até hoje o sistema sobre trilhos da região metropolitana e da capital ainda fosse computado em separado, de resto como ainda o é por muitos especialistas, seja no universo público, seja no universo privado.

E o que falar da integração Metrô x Monotrilho x Fura Fila X Ônibus? A quantas anda o diálogo entre o planejamento da Cia, o da CPTM e o da SP Trans?

O que podemos falar, neste aspecto (integração e projeto conjunto) e não nos aspectos políticos, da licitação dos ônibus da capital e a OD? Integração tarifária tem que ser também integração de modelos de sistema, integração territorial, integração de tecnologias e de governança.

Esta falta de um ente metropolitano de planejamento e governança que tenha no saneamento e na mobilidade seus eixos principais de atuação e que tenha voz ativa na formulação de políticas públicas integradas e não fragmentadas como vemos hoje em dia é mortal para qualquer ambição real de melhoria e racionalização do sistema.

E para isso, qual a resposta que obtivemos? Emplasa fechada, acervo técnico do estado esquartejado e a Cia, passando por um processo de privatização implícito, inclusive com transferência de responsabilidades e tecnologia para gerenciadoras que tem presença cada vez maior na construção de decisões.

E a integração com o Plano Metropolitano que estava em andamento quando a Emplasa foi fechada? E a integração do planejamento da Cia. com o Plano Diretor da Capital e dos municípios da região? E a integração com as políticas de uso, ocupação e parcelamento do solo previstas para a capital e região, com adensamento, criação de emprego e renda e recuperação ambiental?

O próprio desenho da linha 15, como disse você – o traçado adotado – além da escolha do sistema tecnológico e da capacidade instalada e oferecida se ressente de todas estas colocações que fiz acima. Assim como se ressentem a linha 4, que nasceu já em plena capacidade máxima pois as demais interligações e capilaridades não estão feitas ainda e o expresso GRU-Airport, atrasado quase 40 anos e que não chega nos terminais principais.

Enfim, acho que me estendi demais mas a síntese do que está escrito acima é. Em mobilidade e transporte, em saneamento e saúde, em habitação e sustentabilidade ambiental, em segurança e qualidade de vida, enfim, em políticas públicas não se pode olhar nenhum aspecto pontual ou fragmentadamente.

E, infelizmente, é o que temos visto há décadas no Brasil. Bons (alguns ótimos) planos setoriais e/ou intervenções pontuais que carecem de consistência quando confrontados com o todo, com uma visão geral e estratégica dos sistemas a que pertencem.

Política pública e seus programas e projetos não podem ser feitas de modo fragmentado. Não se pode olhar o ponto sem olhar o todo pois o número de variáveis a serem contempladas muda radicalmente num caso e n´outro.

Em minha opinião este é um dos maiores, talvez o maior problema do monotrilho. Problema de nascimento, de construção da decisão. Problema de consistência e coerência.

Por fim, quero mais uma vez agradecer seu comentário, que me permitiu, espero fortemente, esclarecer um pouco melhor o que eu disse à respeito e espero que tenha ficado clara minha pequena contribuição cotidiana (ao menos esta é a intenção) na defesa da qualidade do sistema, sua coerência e sua participação na construção de nossa qualidade de vida.

Sou um incansável defensor da intermodalidade, o que inclui o transporte sobre trilho. Quando fui curador da Bienal de Arquitetura de São Paulo, em 2011, expusemos um vagão de VLT de verdade (não era um Mock Up) em pleno Ibirapuera, para as pessoas poderem entrar, sentar, tocar, conhecer…
Expusemos sistemas diversos e exemplos de várias cidades do mundo, inclusive Santos e Manaus…

E, para finalizar, gostaria apenas de finalizar dizendo que me é estranho responder para um coletivo inteiro. Mesmo em minhas aulas, procuro individualizar os contatos com os estudantes para que seja um pouco mais caloroso e humanizado, menos tecnocrático ou impessoal. Mas, entendi que neste caso me competia tentar esclarecer estes pontos.

Ah…
E devo desculpas pois, no açodamento, neste caso meu (!!!) de responder ao Alexandre A. Moreira, um velho amigo, não percebi, involuntaria mas indevidamente, que eu não estava na TL dele e sim na vossa, do cletivo, o que acabou sendo um pouco invasivo. Me desculpo, realmente, pela netindelicadeza.

Um abraço,

Valter Caldana

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