(D)escrevendo as cidades invisíveis

ou dando outro sentido ao termo e
outra compreensão ao livro

Há momentos na História em que a realidade se impõe de modo avassalador e coloca à prova toda teoria, e toda a teoria.

Por isso ´é tão importante para a humanidade, e para um país, desenvolver e manter hiperativa sua capacidade de teorização e crítica.
Para que em momentos emergenciais não tenha que começar do zero, mas tenha à sua disposição uma gama razoável de explicações e possibilidades.

Por exemplo a questão das favelas.
Existem três posições bem definidas diante delas.

Uma fortemente marcada pelo idealismo, com a qual mesmo não sendo um teórico eu me alinho, que as considera como sendo cidade. Tout court. Simples assim. E como tal devem ser tratadas.

Há uma segunda, a mais aceita e adotada inclusive pela parcela mais humanista e assistencialista do poder público que as considera proto cidades, pré cidades, quase cidades. E assim as trata.

E uma terceira, a hegemônica na sociedade e no poder público, que não as considera cidade, que as entende como algo à parte. Não cidades e, não raro, invisíveis.
Esta terceira as nega, a ponto de lhe roubarem até o nome.

Pois bem.
A realidade está aí.
Chegou na América Latina, onde as favelas são parte indelével da paisagem e do cotidiano de milhões de pessoas.
E, agora, se encaminha para a África, que o ‘estereótipo arquetípico” mundial (ocidental) considera uma grande e homogênea favela.

Já que em momentos de crise não há tempo para nuances, um destes três posicionamentos embasará, justificará e dará consistência e vigor à construção dos critérios que definirão às ações de reação emergenciais e pós emergenciais adotadas.

A crise não é hora de escolher o motorista, mas é bom saber qual a origem de seu modo de pensar para entender como ele agirá, ou conduzirá…

É, também, bom momento para observar e aprender.

De um lado aprender a teorizar mais e melhor.
E, de outro, a escolher melhor.

Valter Caldana

Posted in cotidiano | Leave a comment

SUS to, SUS pense, SUS tento, SUS piro

ou a infinta capacidade de
não enxergar o que se vê sim.

Governo libera parcela emergencial de R$10.000.000.000,00 ou Us$ 2.000.000.000,00 ou dois bilhões de dólares (que poderia ser no mínimo 50% maior, ou seja 3.500.000.000,00 três bilhões e quinhentos milhões de dólares, se a política cambial do governo fosse mais responsável, mais patriota e menos leniente e permissiva, além de algo incentivadora do ataque especulativo contra nossa moeda).

O que a sociedade precisa querer entender, pois saber todos sabemos, é que todo o sistema de saúde é público.

Sim! Todo o sistema de saúde é público, criado, financiado e sustentado essencialmente por dinheiro público. E, a maior parte, a quase totalidade deste dinheiro é oriundo do orçamento vinculado da saúde (dinheiro carimbado, portanto), levado à sua destinação final via sistema único. Sistema Único de Saúde, SUS para os íntimos, sejam eles os necessitados, sejam os beneficiários, sejam os profissionais, sejam os escroques, sejam os corruptos.

Sim, praticamente todo o dinheiro é público. Como esta parcela de Us$ 2.000.000.000,00 dois bilhões de dólares. O que é privado é só o rapaz do caixa. O gerente.

De modo geral, o sistema é público em tudo o que seja para além da linha de frente e antes da hotelaria. Ali, onde o bicho pega, onde pesquisas caríssimas, equipamentos com preços inimagináveis, tecnologias interplanetárias e profissionais adestradíssimos e com formação de décadas estão presentes, a essência do financiamento e do custeio é pública.

E, o que não é diretamente público, é custeado diretamente pelo cidadão. Escolas de medicina caríssimas, planos de saúde caríssimos, consultas médicas caríssimas, remédios caríssimos…

Enfim, sendo quase irremediavelmente simplista, o sistema é público como acontece ser em tudo quanto é tratamento que seja mais complexo do que “tome duas aspirinas, controle a febre e me ligue se houver mudança do quadro”.

Ou, como diria um mais ‘iniciado’: se a dor for forte e do umbigo para cima, é potencialmente grave. Melhor ir no PS do HC.

Valter Caldana

Posted in cotidiano | Leave a comment

Respeito que se dá-se.

O nível do desrespeito da declaração do embaixador chinês é a exata medida do nível de respeito a que se nos dá a atual Diplomacia Brasileira e mede a nossa importância no mundo neste momento.

Outro dia um diplomata alemão estrelado disse que um outro país estava de ‘saco cheio’ do Brasil.
Os americanos assumem rapidamente o tratamento de senhores de serviçais e subalternos a que nos oferecemos.
A Europa já voltou a nos tratar como exóticos, aves plumadas, como fez nos últimos 480 anos.
Detonamos os BRICs
A África, de língua portuguesa ou não, desistiu de nos esperar.
O Messi e o Papa são argentinos.
Não tem mais piloto brasileiro na F1.
Pelé está doente e no ocaso
Neymar é neymar.

Game Over

Valter Caldana

Posted in cotidiano | Leave a comment

O novo velho

Caros compatriotas, precisamos amanhã tirar lições do momento que atravessamos, questionar o modelo de desenvolvimento que nosso mundo escolheu há décadas e que mostra suas falhas à luz do dia, questionar as fraquezas de nossas democracias. O que revela esta pandemia é que a saúde gratuita sem condições de renda, de história pessoal ou profissão, e nosso Estado-de Bem-Estar social (État-providence) não são custos ou encargos mas bens preciosos, vantagens indispensáveis quando o destino bate à porta. O que esta pandemia revela é que existem bens e serviços que devem ficar fora das leis do mercado. Delegar a outros nossa alimentação, nossa proteção, nossa capacidade de cuidar de nosso modelo de vida é uma loucura. Devemos retomar o controle, construir mais do que já fazemos, uma França, uma Europa soberana que controlem firmemente seu destino nas mãos. As próximas semanas e os próximos meses necessitarão de decisões de ruptura neste sentido. Eu as assumirei. Macron»

Macron começou bem, se perdeu e agora está ganhando uma segunda chance para emergir como a liderança do início do século XXI que prometia ser capaz de apontar caminhos de superação das contradições que levaram ao colapso do sistema vigente.

Perdi muito da confiança de que ele consiga pois fez concessões demais na estruturação modernizadora das reformas (da previdência especialmente) na França. Concessões aos cortes puro e simples.

A “antiquada” Merkel, democristiana de boa cepa, forjada atrás do muro e que fala russo fluentemente, discípula de Adenauer, continua dando um banho nele e em toda a Europa e, logo atrás do portenho Francisco, está entre os dois únicos líderes mundiais dignos deste rótulo neste momento.

Valter Caldana


Posted in cotidiano | Leave a comment

Cortar, amputar ou decepar?

Claro que preservar as empresas, sobretudo as micro, pequenas e médias, que são as maiores fontes de emprego e renda para a população, sobretudo a população com menor acesso a formação e treinamento, é vital!

Inclusive recebi hoje vários emails alertando e sugerindo que se prefira comprar produtos e serviços de pequenas empresas, com o que concordo.

E, claro, a folha é sempre estratégica no orçamento e no caixa de empresas de quase todos os segmentos.

No entanto, antes de ir para cima do salário e autorizar uma redução de 50%!!!! que levará toda a população à inadimplência mais elementar que se possa imaginar (nenhuma conta será paga, ponto final) o governo poderia, smj, adotar outras medidas para alavancar crédito direto ou indireto para as micro, pequenas e médias e/ou rolar um série de débitos e encargos que os pequenos têm dificuldades enormes para manter em dia (o que seria um crédito indireto, ajudando a fazer caixa).

Já seria um alívio…

Nesta hora (crise) rolar pode ser um dos caminhos mais eficientes para não fechar. O corte pode ser traumático demais.

Por exemplo, no que diz respeito aos empregos formais…
E se o governo autorizasse que nos próximos meses fossem pagos apenas 20% (ou 30, ou 40, ou 50, eles têm os números) de todas as taxas, impostos e encargos federais, estaduais e municipais? Ah… não dá para perder arrecadação? Pois é, mas também não dá para perder 50% do salário.

E se todas as tarifas públicas fossem reduzidas em 50% (ou 25… etc.) Só com estas duas medidas – impostos, taxas, emolumentos e tarifas de consumo – o alívio no caixa (e no fluxo) dos pequenos seria fantástico.

E se as taxas de juros bancários fossem cortadas a 50% (ou 30, ou 15, ou 10…) por um ou dois meses?

Não estou me perguntando se não seria o caso de fazer tudo isso a fundo (público e privado) perdido. Muito menos estou imaginando ser possível não pagar estas contas todas.

Como eu disse, estava aqui pensando em formas de alongar os débitos… Passada a crise, se cobra o passivo e todos os débitos de forma parcelada, (sem juros ou multa?) e se recompõe os caixas e os ganhos afetados…

Talvez medidas assim, articuladas, possibilitassem que o corte nos salários fosse bem menor, não começando já em 50%. Começaria em 10%, em 15%

Certamente economistas brilhantes saberão fazer isso muito adequadamente. E saberão fazer estas contas.

E por aí vai.

O que me incomoda, na verdade, é que a solução de cortar é sempre a mais simples, a mais binária e a menos criativa. E, quase sempre, corta de quem não tem o que ser cortado.

Não corta gorduras… amputa membros e, se distrair, decepa a cabeça.

Valter Caldana

Posted in cotidiano | Leave a comment